Vamos falar sobre roteiro?
O que nos faz ir ao cinema ou sentar a frente da TV (ou computador, tablet, celular… eleja a sua tela preferida) para acompanhar uma história? No roteiro, chamamos isso de TRAMA. E a trama é uma promessa. Vamos usar uma analogia para explicar melhor.
Imagine a seguinte situação: Você é uma criança. Seu maior anseio nessa fase é descobrir novas informações, passar por novas experiências e sentir novas sensações. Esse é o espectador. Quando criamos uma história e nos dispomos a contá-la ao espectador, fazemos uma promessa. Um pacto. É como prometer a uma criança que, se ela se comportar e estudar direitinho, no final do ano ganhará uma bicicleta. Ok, bicicleta está meio em baixa. Quem sabe um videogame novo. Ela se esforça, presta atenção nas aulas e cumpre a sua parte no acordo. Essa fase se iguala ao espectador, que ficou firme e atento ao seu filme, livro, conto ou qualquer outra forma de narrativa proposta. Porém, no final do ano, se o videogame não aparece, quem fez a promessa não cumpre sua parte no trato, levanta os ombros e solta um “Fazer o quê?”. E fim. Isso mesmo, agora você já pode ver uma criança frustrada chorando no cantinho.
Muito bem. Isso é o mesmo que acontece com o espectador. Ok, não iremos vê-lo em posição fetal, chorando no cantinho do quarto (bem, talvez depois do final de Lost), mas ele terá o mesmo sentimento de frustração que a criança, já que suas expectativas não foram satisfeitas. A sensação de perder tempo torna a experiência ruim e, por consequência, a história ruim.
A estrutura de um roteiro normal é composta por três atos, mas poderia ser resumida em três palavras em inglês: HOOKS, HOLDS e PAY-OFF. Em uma tradução livre (dentro do contexto de roteiro) ficaria algo como PRENDER (a atenção), MANTER (a atenção) e PAGAR (a promessa).
A famosa estrutura de três atos
O primeiro ato, portanto, é uma apresentação da tal promessa que fazemos ao espectador. Ele irá entender o que deve esperar. Se eu apresento um personagem empático e com habilidades, que se encontra em uma situação padrão e coloco-o numa situação fora do padrão, o público precisa perceber características que mostrem que ele precisa ser melhor do que já é para resolver esse novo contexto.
Essa nova situação que deve ser resolvida consiste num DESAFIO, um JOGO. A apresentação dessas características, em conjunto com a nova situação em que ele se encontra, vai delinear as regras de um universo e aqui se encontra a promessa do roteiro: Nosso personagem vai aprender a lidar com as novas regras e resolver o problema SEM ROUBAR NO JOGO.
Outro aspecto da promessa é que se ela é um JOGO, então é preciso haver ALGO A PERDER. Um jogo sem risco é chato. E para prender a atenção do espectador, o tal desafio deve ser digno do tamanho do protagonista que nós criamos. Quando o público se identifica com o herói e entende que o desafio é algo difícil, mas imprescindível, ele vai aceitar a luta junto com nosso protagonista. Nessa hora, nós “fisgamos” nosso espectador (HOOKS).
O segundo ato é normalmente o mais difícil, pois sua função é dar ferramentas ao protagonista para que ele cumpra sua tarefa sem apelar para uma solução milagrosa. É a parte mais importante da nossa história, pois se ele falhar em sua função, toda a nossa narrativa falha. Justamente por isso ele deve ser construído para manter (HOLDS) a atenção dando com uma mão e tirando com a outra. O protagonista terá todo esse tempo para entender qual é o problema que o impede de atingir o seu objetivo.
Aqui é que vemos até onde as regras estão estabelecidas e qual é a forma de manipulá-las ao favor do personagem.
Então, chega a hora de cumprir nossa promessa (PAY-OFF) e tudo depende da forma que o autor construiu o segundo ato. O bom autor sabe que, com os ajustes certos, é possível preparar o público para compreender o caminho a ser tomado, além de quase antecipar de uma maneira tão brilhante que apenas o herói e ele saberiam resolver o conflito.
Ahh, a tão sonhada recompensa..
E ela virá na forma de uma catarse, quando o objetivo é cumprido, de uma forma impactante, surpreendente mas, sobretudo, SEM QUEBRAR AS REGRAS. O herói fica feliz. O espectador fica feliz. Os deuses ficam felizes. Porque quando a grande solução chegou ela ainda era o mesmo jogo, mas muito mais interessante. É só olhar para trás e perceber que estava tudo lá. Esses ajustes são o que chamamos de Foreshadowing.
Por isso, muitos autores escrevem suas histórias e depois as reescrevem de trás para frente. Para que ele mude a promessa inicial, prepare a expectativa da nossa criança e não precise quebrá-la no final.
Esse é o primeiro texto de uma série sobre roteiro que eu apelidei de Caminho de Formiga. Nos próximos, vamos falar de outros aspectos da construção de uma história. Gostou? Deixe nos comentários o que você gostaria de ver aqui.