São Paulo, Sociedade Anônima, ou simplesmente São Paulo S/A, dirigido por Luís Sergio Person em 1965, sem dúvidas é um dos maiores filmes nacionais de todos os tempos. Direção, roteiro e tantos outros aspectos técnicos à parte, vamos tratar de um outro elemento fundamental para a realização e sucesso do filme: A inserção da cidade de São Paulo como personagem na história.
A narrativa que se passa, em grande parte, dentro da metrópole (ainda em crescimento), traz a história de Carlos (Walmor Chagas), um jovem ambicioso e mulherengo que começa a trabalhar em uma empresa de autopeças. Logo, a convite de Arturo (Otelo Zeloni), um amigo e parceiro de falcatruas passadas, ele ocupa um cargo de gerente em uma empresa que prospera e cresce rápido, fundada pelo mesmo. A certa altura, Carlos já com uma família constituída por sua esposa Luciana (Eva Wilma) e seu filho, vive a vida que buscava, porém percebe-se infeliz, restando-lhe apenas fugir.
São Paulo já é inserida como personagem no primeiro plano do filme, mostrando Carlos e Luciana em uma discussão e o reflexo da cidade sobreposto às suas imagens. A partir daí, já se tem uma ideia do que a cidade significa dentro da vida do protagonista. Em seguida, Person opta por fazer planos abertos em que o personagem aparece minúsculo dentro da imensa cidade, que também é enquadrada de forma contra plongée (câmera baixa apontada para cima), ressaltando seu tamanho.
A vida de Carlos assemelha-se à cidade. Ambiciosos, buscam o crescimento desmedido, sem pensar nas devidas consequências. O jovem, assim como a metrópole, oferece oportunidades para trabalhadores sedentos por uma vida melhor em suas fábricas, que por sinal também crescem de forma desenfreada, inundando de carros as ruas de São Paulo. É também muito interessante notar como o filme explora bem as áreas desenvolvidas da cidade – na parte central, como o Vale do Anhangabaú e a Ladeira Porto Geral – e como marginaliza seus extremos, contrastando imensamente com o ambiente mais rico. Bem explorado também é o artíficio usado para que saibamos em qual parte do ano estamos, como o uso de imagens da tradicionalíssima corrida de rua, a São Silvestre.
Como foi dito anteriormente, Carlos percebe-se infeliz dentro de sua “vida perfeita”, mas será mesmo que ele já foi feliz alguma vez? Ou melhor, será mesmo que ele já foi feliz alguma vez em São Paulo? Provavelmente não. Observamos isso de maneira clara, quando a narrativa foge da grande cidade e vai para o litoral. É lá que ele tem seus poucos momentos de prazer e felicidade, conseguindo escapar da loucura de uma metrópole em ascensão,fato que confirmamos ao final do filme, quando temos o personagem roubando um carro e fugindo da cidade, gritando aos quatro ventos: TCHAU SÃO PAULO! E aqui, diga-se de passagem, esquecemos por um segundo toda sua canalhice e nos sentimos um pouquinho aliviados por ele. Coitados de nós, meros espectadores. Person é justo e irônico, obrigando Carlos a voltar para a cidade que é seu calvário, para buscar então um recomeço, sem esquecer, é claro, de sobrepor mais uma vez a imagem do protagonista à cidade.
Irônico, triste, sensacional… obra-prima!
“Tudo passa depressa, como tudo que se passa em São Paulo” – Carlos.