As filmagens começaram em 14 de agosto de 1972. No encosto da cadeira de diretor, à esquerda de seu nome, estava escrito “Um Oscar por Operação França”. O perfeccionismo doentio de Friedkin transformou a vida da equipe em um inferno, sem trocadilhos. A primeira tomada no estúdio era um plano de detalhe em uma fatia de bacon fritando. De repente, o diretor decidiu que não gostava da forma como o bacon se enrolava durante a fritura. A produção foi paralisada enquanto um membro da equipe saiu pela cidade para procurar bacon sem conservantes, que teoricamente ficaria estirado ao fritar. O avanço da produção era tão lento, que um integrante tirou uma licença de três dias, e ao voltar, encontrou o diretor na mesma tomada. A previsão de cento e cinco dias de filmagem estourou, e em março de 1973 a produção continuava. O orçamento inicial de 4,2 milhões de dólares havia ultrapassado o triplo disso.
Na busca inconsequente pela perfeição, o cineasta disparava armas de fogo no meio do set para conseguir sustos realistas. Nas cenas do exorcismo, o set foi transformado em um frigorífico para filmar a respiração dos personagens, com o resto da equipe trajada como esquimós. No meio das explosões e excentricidades de Friedkin, claro que os atores eram os que mais sofriam. Ficava claro que ele os desprezava, enxergando neles apenas ferramentas para fazer um filme marcante, não importando o custo. O famoso vômito verde foi direcionado ao rosto do ator Jason Miller, sem que ele soubesse, portanto, a expressão de nojo e surpresa é mais que genuína. Ellen Burstyn foi lesionada permanentemente na coluna, na cena em que é esbofeteada por Regan e arremessada por uma pequena distância. A atriz usava um colete preso a uma corda na parte de trás, por baixo da roupa. No momento do tapa, um dublê a puxava, fazendo a ilusão do impacto sofrido. Ellen já estava queixando-se de cair tantas vezes, e pediu que Friedkin pegasse leve. O diretor disse ao dublê, na frente dela, para que maneirasse, mas quando ela virou-se, ele balançou a cabeça deixando claro que a ordem deveria ser ignorada. A cena rodou e ela foi puxada com tudo, caindo em cima de seu cóccix e gritando de verdade em dor excruciante, devidamente registrada pelas câmeras e é isso o que se vê no corte final.
William O’Malley era um sacerdote que atuava como consultor da produção, porém, conseguiu um pequeno papel no filme, como o padre Dyer. A cena em que o personagem dá a extrema-unção ao amigo Karras foi repetida muitas vezes, sob as queixas de Friedkin de que não havia emoção e que tudo estava mecânico demais. Duas da manhã, todos cansados e O’Malley pediu um pouco mais de compreensão, um conceito estranho ao obsessivo diretor. Friedkin se aproximou do padre e disse “Bill, você confia em mim?”. Ao receber uma resposta afirmativa, O’Malley foi surpreendido por uma bofetada no rosto e a instrução “Agora volte lá e faça a cena!”. Radical ou não, o método deu certo. A tremedeira, nas mãos e voz, vista na cena, não poderia ser mais autêntica.
A voz de Regan possuída foi feita pela atriz Mercedes McCambridge, veterana de produções da Hollywood clássica, como Assim caminha a Humanidade. Com experiência em trabalhos no rádio, ao lado de Orson Welles, ela utilizou um método peculiar para chegar ao resultado tenebroso esperado. Submeteu-se a uma dieta de ovos crus e fumava compulsivamente para alterar a voz, e ainda teve uma ideia digna do entusiasmo mentalmente instável de William Friedkin. Com um histórico de alcoolismo e abstêmia naquele momento, ela resolveu voltar a beber, pois sabia que uísque distorceria ainda mais sua voz. Por conta disso, aproveitava a presença de padres verdadeiros no local para aconselhar-se e ser confortada. Completando as condições extremas de trabalho, Friedkin quis que ela fosse amarrada a uma cadeira, com tiras nos braços e no pescoço, enquanto dizia suas falas, pois queria dar a impressão de que a entidade tentava libertar-se.
As confusões continuaram. Fosse na questão da montagem do filme ou na trilha sonora, Friedkin não dava trégua a ninguém. Os jornais a cada dia noticiando problemas na produção e o estúdio cada vez mais preocupado. A verdade é que mesmo hoje seria difícil que alguém admitisse isso, mas toda essa turbulência ajudou a promover o filme, já que a imagem de amaldiçoado tinha tudo a ver com a temática. Os atores Jack MacGowran e Vasiliki Maliaros realmente morreram antes do filme ser lançado, mas existe a história que cerca de nove pessoas da equipe morreram misteriosamente durante a produção, além de um incêndio mal explicado que destruiu tudo em um final de semana. Se o estúdio inventou ou exagerou intencionalmente nestes fatos, apenas quem estava lá pode responder.
Enfim, o filme foi terminado e exibido para os executivos da Warner. Eles ficaram atônitos com o que viram. Adoraram, é verdade, mas não sabiam direito o que fazer com aquilo, então resolveram lança-lo apenas em trinta cinemas exclusivos, por um período de seis meses. Naquela época os filmes ficavam muito tempo em cartaz, pois os cinemas tinham uma espécie de classificação fixa, que fazia com que as grandes cidades recebessem os filmes antes do resto do país. Conforme passava o tempo, os filmes chegavam às salas restantes. Esse esquema de distribuição só mudaria com Tubarão, de Steven Spielberg. De qualquer forma, era uma estratégia péssima para um potencial blockbuster como O Exorcista. A Warner também evitou exibições-teste, lançando o filme em 26 de dezembro de 1973.
Foi um sucesso absurdo. Filas e mais filas, pessoas que desmaiavam, tinham crises ou vomitavam durante o filme. Os cinemas mantinham lixeiras com areia prontas para esse caso. A igreja católica recebeu várias cartas de pessoas que alegavam conhecer gente possuída. A crítica se dividiu e representantes religiosos o condenaram. Mesmo com isso e a distribuição equivocada, o lucro foi imenso -160 milhões de dólares no tempo em que o ingresso custava 3 dólares , quebrando paradigmas em um gênero considerado menor. O filme havia dado certo, era realmente assustador e tinha o espírito daquela década, com a iconoclastia dos jovens realizadores impressa em cada cena. Era como se aquela obra, e tantas outras contemporâneas suas, fossem criaturas vivas desafiando impunes o poder dos estúdios e produtores. Dez indicações ao Oscar coroaram essa coragem, vencendo Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Som, fora muitas outras premiações como o Globo de Ouro, onde Friedkin levou como Melhor Diretor.
Entre as desgraças atribuídas ao filme, motivadas por algum tipo de maldição, os linguarudos costumam incluir os rumos que as carreiras dos principais envolvidos tomaram, depois daquele sucesso estrondoso. Linda Blair realmente afundou, voltando ao papel de Regan na descartável e oportunista continuação de 1977. Marcada pela personagem, ela também participou da paródia A Repossuída, em 1990, e até aqui permanece no limbo profissional.
Em um caso de trabalho que supera o autor, William Peter Blatty é lembrado apenas por seu livro mais famoso e o envolvimento direto na adaptação. Ele não teve nada a ver com O Exorcista II – O Herege, mas escreveu o romance Legion, continuação oficial de O Exorcista, que foi a base para o filme O Exorcista III, também de 1990, dirigido por ele mesmo. Contando com apenas um crédito como diretor em 1980, por mais insano que possa parecer, alguém –além dele mesmo- achou que ele tinha condições de comandar um longa-metragem e o resultado foi uma grande comédia involuntária. Chega a ser trágica a ideia de trazer Jason Miller de volta, interpretando o padre Karras, em um roteiro esburacado e muito, mas muito, mal dirigido.
E William Friedkin? Tendo essa realização no currículo, será que tinha razão em seus surtos explosivos de perfeccionismo ególatra? Difícil dizer. Sobre uma maldição que poderia ter vitimado sua carreira, se havia, não foi exclusividade sua e nem culpa do Capeta, pois o destino dele foi o mesmo de outros cineastas de sua geração. Sua queda aconteceu em seu filme seguinte, a refilmagem de Sorcerer (O Comboio do Medo no Brasil), originalmente dirigido por Henri Georges-Clouzot em 1953. Se aventurando com a equipe na selva sul-americana, disposto a fazer mais um filme extremo com atores no limite das capacidades, o diretor finalmente conheceu o inferno em termos de logística, como Coppola em Apocalypse Now, dois anos depois. Lançado em 1977, próximo ao Star Wars original, O Comboio do Medo não teve chances e foi um fracasso desastroso, entrando para a história como um dos filmes que ajudou a sepultar a “Nova Hollywood “ e encerrar a era de autonomia dos cineastas frente aos estúdios. De forma irregular, Friedkin ainda faria bons filmes entre as décadas de 1980 e 90, mas nada especialmente marcante se comparado a Operação França ou O Exorcista. Mais recentemente, com Possuídos*, de 2006, e Killer Joe, de 2011, o cineasta, hoje beirando os oitenta anos, voltou a chamar atenção, mas já falou sobre as dificuldades que enfrenta para viabilizar seus projetos para as telonas. Para que aborrecer-se, então? Aposto que alguma HBO da vida adoraria contrata-lo para qualquer coisa…
*Apesar do título brasileiro fazer essa alusão oportunista à temática de O Exorcista, ele não poderia ser mais inadequado. O nome original do filme é “Bug”.
As fontes para as três partes do texto foram o artigo “O Exorcista”, marco do horror, faz 40 anos, de André Barcinski e o livro Como a Geração Sexo, Drogas e Rock’n’roll Salvou Hollywood, de Peter Biskind.