Escrever sobre filmes da Disney é uma tarefa complicada, pois quem costuma empurrar os adultos ao cinema para esse tipo de programa são as crianças, e elas certamente não estão nem aí para um texto comentando o filme que querem ver. Então, para quem estamos escrevendo? Boa pergunta… Os pais, tios, irmãos ou primos mais velhos, avós, padrinhos e sei lá mais quem levam isso em consideração? Obviamente, sou suspeito para atestar o valor deste tipo de trabalho, mas acho que isso é do interesse do adulto pelo fato de que os estúdios hoje parecem querer atrai-los também à essas produções, ao menos pela curiosidade, já que ainda exercem alguma influência sobre seus companheiros mirins. Vez por outra, a indústria consegue entregar alguma coisa que entretém os pequenos, mas também diverte os crescidos sem subestimar a inteligência de ninguém, afinal, simplicidade nunca foi sinônimo de estupidez ou de coisa mal feita.
Caso minha afirmação acima sobre o fator atrativo fosse falsa, Malévola – de Robert Stromberg – não precisaria de Angelina Jolie no papel principal. Stromberg, cuja especialidade é a área de efeitos especiais, faz sua estreia como cineasta encarando uma produção de U$ 200 milhões. Parece ilógico do ponto de vista artístico, mas o que não foi gasto na contratação de um diretor de ponta, foi para colocar a atriz a bordo, que sem dúvida traz os holofotes para cima do projeto. O filme é uma versão menos maniqueísta para o conto de fadas A Bela Adormecida, em que a personagem título é tratada como alguém que pratica maldades por força das circunstâncias, algo que chama muita atenção justamente por ser um produto da Disney. Malévola é uma fada da terra encantada de Moors, em guerra com o reino dos humanos, que acaba traída cruelmente por Stefan(Sharlto Copley)por pura ambição deste. Ao tornar-se rei, Stefan tem uma filha, Aurora (Elle Fanning), que é amaldiçoada como vingança da fada. Sim, a maldição diz que a menina vai espetar seu dedo numa roca aos dezesseis anos e dormir para sempre, a não ser que seja despertada por um beijo de amor verdadeiro. Temos os atos da vilã sob uma perspectiva mais compreensível , mas e aí?
O filme tem boas intenções, isso é óbvio. Flerta com aqueles tipos de detalhes brilhantes que passam despercebido pelas crianças, mas os adultos enxergam, como a reflexão sobre o nome da personagem. Além das motivações, alguém que é batizada como Malévola (Maleficent) parece predestinada a um antagonismo clássico, portanto, existe aí mais um peso de redenção. Seria ilógico esperar que o filme investisse mais do que isso na discussão do relativismo moral, mas a verdade é que Malévola tem mais problemas do que qualidades. Alguns deles vem da construção desastrada de algumas situações chave do filme, como a guerra entre o reino das fadas e dos humanos, que acaba esquecida de uma hora para outra, como se fosse apenas um pretexto para mostrar a conversão ao mal da protagonista. Feito isso, não há menção posterior alguma. A rainha, mãe de Aurora, aparece, some e é definitivamente limada da história bruscamente, com um diálogo explicativo. A bem-vinda construção anti-maniqueísta de Malévola também não garantiu que o filme ficasse livre do conceito. A maldade e a ganância sem medidas apenas foram parar em outro personagem, o enlouquecido Stefan, a partir da metade do filme.
O elenco conta ainda conta com nomes conhecidos, como a inglesa Imelda Staunton (O Despertar), como uma das fadas desastradas protetoras de Aurora, e Sam Riley (Na Estrada), como Diaval, o corvo transformado em humano. Nenhuma surpresa sobre os desempenhos nada marcantes de todos, mas sobre isso é mais do que necessário fazer justiça a um único ponto, que é a escolha de Angelina Jolie para o papel principal. Não é de hoje que atores e atrizes seguram carreiras por anos a fio, sustentados apenas por fatores que tem pouco a ver com o talento dramático, como beleza, carisma e/ou presença em cena. Angelina, longe de ser uma grande atriz, foi um acerto e tanto na escalação, pois é o que realmente se destaca no filme. A própria interpretação afetada dela acaba funcionando, aliada ao seu carisma e indiscutível beleza, que alcança um ar exótico com as maçãs do rosto mais protuberantes graças a próteses. Tudo isso, mais o fato da atriz – como personalidade – ter em volta de si uma aura que já transcendeu a profissão, fazem de sua Malévola uma presença que não cansa.
As crianças devem se divertir com as cenas de ação, recheadas de efeitos especiais, e com as criaturas mágicas digitais, afinal a elas não interessa a falta, ou não, de maniqueísmo em uma vilã tão conhecida, tampouco as derrapadas do roteiro. Se houver alguma outra opção para os pimpolhos na tela grande, recomendo aos adultos que se arrisquem fora do mundo da Disney. Caso a negociação esteja fora de questão, relaxe e console-se com a persona gótica e marcante de Angelina Jolie, com suas caras e bocas.