O venezuelano Pelo Malo, dirigido por Mariana Rondón, parte de uma premissa que parece banal. Durante as férias escolares, um garoto de cerca de nove anos, morando em uma periferia, cria a obsessão de alisar seu cabelo antes que as aulas voltem, para que ele possa tirar a foto do início do ano letivo. Além do cabelo, fator principal que o título do filme já indica, o menino também quer um traje igual ao dos cantores da TV. Aqui existe uma motivação como ponto de partida, mas onde está o conflito em uma situação como essa, já que a nós aparenta ser bem fácil contentar essa criança? Os obstáculos são muitos na verdade, mas se apresentam personificados na figura da mãe, completamente incapaz de compreender o que se passa com o filho.
Para entender melhor e entrar no difícil mundo do filme, precisamos ter em mente onde se passa a história. A Venezuela possui uma cultura tão provinciana e arraigada na adoração de subcelebridades quanto a nossa, senão mais, pois o país é famoso pelas suas Misses e por ter vencido o concurso de Miss Universo sete vezes, ficando atrás apenas dos EUA. Nada estranho que as crianças sofram perseguindo os padrões de beleza que a mídia criou, mas o real problema de Júnior – crescendo sem pai – além da falta de dinheiro para tirar a foto, é um pânico homofóbico crescente em sua mãe desempregada, desencadeado unicamente pelo desejo do menino de alisar os cabelos.
Com essa estrutura, Pelo Malo levanta um ponto bastante pertinente sobre essa cultura da beleza, sobretudo em seu impacto em uma comunidade menos favorecida. Vem a reboque nessa discussão como um preconceito qualquer pode impossibilitar a comunicação familiar, pois quando um dos lados já está condicionado a enxergar o que quer, não importa mais o que o outro faz. Marta, a mãe, longe de ser uma caricatura unidimensional, age como que por reflexo frente ao que considera ameaçador no filho, mesmo que julgue necessário e justificável tortura-lo psicologicamente no processo.
O filme conta com boas atuações, mesmo apoiando-se em grande parte na performance das crianças. Samuel Lange Zambrano e Maria Emília Sulbarán interpretam Júnior e sua única amiga e companheira, nunca chamada pelo nome durante o filme. A diretora conduziu muito bem os dois pequenos, que tem uma interação bastante natural. Samanta Castillo, como Marta, encarna muito bem o desespero de alguém se dinheiro para criar os filhos, aguentando a indiferença de outras pessoas, inclusive da avó paterna de Júnior. Nelly Ramos interpreta de forma convincente essa avó, tão desequilibrada ao seu modo quanto Marta, fechando aquilo que talvez fosse a única via de salvação do menino.
Filmado de uma forma sóbria, sem nenhum tipo de arroubo estético que poderia comprometer a realidade crua da história, Pelo Malo traz à tona algumas verdades incômodas para a sociedade da América Latina em geral, porém, seus méritos estão muito mais presentes na evocação destes assuntos do que na consideração da obra como cinema. Não haveria como chama-lo de ruim, mas carece de investir de alguma forma em recursos dramáticos com o intuito de aumentar o interesse do espectador. Quando os personagens alcançam o destino proposto pela narrativa, a sensação é a de que isso deixou de importar em algum ponto lá atrás.