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Um Corpo que Cai – Cores vertiginosas a serviço do roteiro (FINAL)

E aqui vai a última parte da postagem sobre as cores no clássico Um Corpo que Cai de Alfred Hitchcock. Não viu a primeira parte? Clica AQUI!

 

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Madeleine/Judy agora é vista com as cores neutras de sempre, mas novamente associada ao vermelho, aqui na porta da casa de Scottie.

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A cena no parque ecológico é fantástica. Primeiro porque aqui existe um cenário de floresta que já é um convite à abstração, muito pelo verde predominante. Segundo, o verde está presente também no diálogo, quando ele menciona o nome científico da árvore gigante. Sua frase é: -O nome é Sequoia Sempervirens. Sempre verde. Sempre viva. Terceiro, o vermelho também está ali próximo à raiz da sequoia. Quarto, depois de tudo isso era de se esperar que a tensão sexual entre eles culminasse num acalorado beijo, e é exatamente o que acontece.

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Midge encontra Scottie agora com uma blusa vermelha. A sua mudança reforça a ideia de que ela tenta traze-lo para si, mas isso se mostra apenas na cor da blusa. Como o apartamento continua igual ao que vimos antes, sentimos que isso destoa e que essa cor, definitivamente, não é para ela.

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Suicídio de Madeleine forjado. Scottie, agora internado e semi-catatônico, recebe a visita de Midge. Ela veste azul, que é uma cor fria associada a tranquilidade, e tem tudo a ver com seu tom consolador. Ele por sua vez, também usa azul, porém num tom mais escuro, o que talvez indique a influência que ele ainda exerce sobre ela. A distância física entre eles num plano aberto do quarto serve para reforçar a distância emocional, e ainda existe o verde na cena, separando-os.  É interessante também  notar que na composição da cena, o vermelho das rosas é parcialmente coberto por Midge, como se ela tentasse em vão acabar com a paixão doentia que colocou Scottie naquela condição.

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Um ano depois. Scottie vestindo marrom, uma cor pesada facilmente associável a sua tristeza e a evidente solidão em que se encontra. Vermelho e verde aparecem em volta dele, antes da reviravolta.

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Judy aparece vestida com o verde da abstração e idealização. Para ele, é como se Madeleine ressuscitasse. No fundo desfocado temos o vermelho da paixão novamente.

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Sobre o close que abre e fecha a sequencia de flashback que explica a tramoia de Gavin Elster, há um filtro vermelho forte. O motivo? Descobrimos que Judy também está apaixonada pelo homem que ajudou a enganar.

Um Corpo que Cai

Na obsessão de recriar sua fantasia com Madeleine, Scottie leva Judy ao mesmo restaurante das paredes em vermelho gritante. Ela usa um vestido lilás, uma cor mais tranquila também ligada ao abstracionismo e expressões individuais. É como se Judy procurasse agora apagar Madeleine e tentar ser ela mesma para o homem que ama.

Um Corpo que Cai

Essa imagem mostra que o esforço dela é inútil. O verde do neon de fora invade seu apartamento e a envolve, sufocando o lilás.

Um Corpo que Cai

No passeio, ela usa o mesmo verde da cena em que reapareceu na vida de Scottie, mas agora não veste a parte de cima, revelando um amarelo. Parece querer livrar-se da fantasia que o verde simboliza e tentar a estabilidade que o amarelo representa. Aqui a comunicação da personagem através do figurino é muito forte.

Um Corpo que Cai

Scottie tenta a todo custo transforma-la em sua visão de Madeleine. Quando estão comprando roupas, ao mesmo tempo em que o verde continua presente no que ela veste, a blusa agora é marrom, simbolizando o peso da penitência pelo qual ele a faz passar.

Um Corpo que Cai

Um Corpo que Cai

Agora totalmente transformada, novamente, em Madeleine, o verde forte do neon invade o apartamento mais uma vez. Como ela agora está com as cores neutras de antes, tudo se torna mais facilmente esverdeado e a fantasia de Scottie é plenamente restituída, situação que se reflete no fundo durante o beijo.

Um Corpo que Cai

No momento em que Scottie descobre a mentira através da jóia de Carlotta, Madeleine/Judy tem um vestido semelhante ao do início do filme, porém, sem as faixas verdes. A caixa vermelha à esquerda indica que ainda existe paixão, mas agora sem a fantasia de antes. Ele a enxerga claramente agora.

Como observação final, não é absurdo considerar que o preto dos vestidos que Madeleine/Judy usou no início e no fim estariam indicando seu destino. Até mesmo pelo fato de ser uma freira que a assusta antes dela cair no final do filme, e qual é mesmo a cor do hábito de uma freira?

E assim é Um Corpo que Cai com sua narrativa colorida. Se existirem universos paralelos com versões alternativas daquilo que bem conhecemos, talvez haja um Vertigo em outra dimensão, rodado em preto e branco por algum motivo. Um filme que seguramente teria uma cara completamente diferente, mas nessa circunstância com certeza continuaria a ser um clássico, caso também pudesse contar com a direção de um gênio como o grande Hitch, claro.

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