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Os erros e acertos de John Constantine na TV! (Parte 1)

CONSTANTINE -- "Pilot" -- Pictured: Matt Ryan as John Constantine -- (Photo by: Quantrell Colbert/NBC)

Desde que os personagens de Alan Moore foram repaginados para a roupagem dos Novos 52, fiquei com medo de ver qualquer outra obra midiática envolvendo os deuses, semideuses e heróis do panteão Vertigo, já que Monstro do Pântano, Homem-Animal, John Constantine, Zatanna e o espetacular Deadman (Desafiador, no Brasil) ficaram parecendo personagens da Turma da Mônica Jovem. Inclusive, comentei isso no artigo Como VAMPIRO: A MÁSCARA influenciou a cultura Pop!

Quando vi Keanu Reeves na capa do longa Constantine, em 2005, empunhando uma arma de crucifixo, pensei: “Só iria ao cinema para apedrejar a tela!”. Tudo bem, a cruz estava de cabeça pra baixo mas e daí? Reeves nunca ficou bem em nenhum papel que não fosse dele mesmo (e talvez nem nesse), e o antigo coadjuvante do Monstro do Pântano, que se elevou à categoria de protagonista das próprias estórias merecia coisa melhor! Quando um amigo me falou da série, perguntei quem era o ator. “Não sei!” foi a resposta, ao que emendei outra dúvida: “Como é a roupa?”

Quando percebi que o ator Matt Ryan, oriundo do país de Gales, estava à caráter, com seu sotaque pra lá de “constantinesco” que apenas pudemos imaginar nos quadrinhos – e a voz de Reeves é melhor deixar de lado – resolvi ver a série, que já era um fracasso antes mesmo de engatar os supostos treze episódios da primeira temporada. Desencanado e sem qualquer expectativa, encarei a tarefa.

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Para quem ainda não assistiu a série, fique tranquilo! Ao contrário do que dizem outros veículos de comunicação, a série não tem nada a ver com os Novos 52. Trata-se de um apanhado geral de vários episódios da antiga série iniciada por Jamie Delano, na HQ Hellblazer, que chegou a contar com grandes nomes como Garth Ennis e Warren Ellis. O personagem passou pela controversa fase de Brian Azzarello, o “reboot” de Mike Carey e sua conclusão com Peter Milligan. Os enredo da primeira temporada de Constantine é uma colcha de retalhos da fase Vertigo do personagem.

John Constantine foi muito bem representado por Matt Ryan, que realmente vestiu o personagem. Cheio de trejeitos, TOC’s e não-me-toques, Ryan nos dá o gostinho de reencontrar um velho conhecido. Com seu sobretudo surrado e a gravata desgrenhada, é possível ver Constantine em ação. O problema é que Matt teve de limitar sua atuação para se adequar ao clima da série, que está mais para Supernatural do que para Vertigo. Vamos a uma breve análise dos…

Personagens:

Constantine - Season Pilot

Manny, John, Zed e Chas!

John Constantine se apresenta como “exorcista” e “Mestre das Artes Ocultas”. Tem até carteirinha! Sem contar o “Quartel General”, casa do pai de Liv, herdada pelo protagonista. A atuação de Ryan não deixa a coisa cair no ridículo mas é impossível conter o baque de decepção. Constantine se dá mal, leva murros, nos brinda com episódios de vergonha alheia, mas onde está o Casanova que sempre se envolvia com suas sidekicks que faleciam durante a estória, ou saíam traumatizadas de sua vida sem desejar vê-lo nunca mais? Apenas no sexto episódio Constantine aparece levantando de manhã, saindo da cama de uma amante, às pressas, pois seu namorado acaba de chegar. Não foi explicado como ele chegou ali em episódios anteriores. Foi mais para calar a boca dos fãs mais críticos, salvando o protagonista da fama de assexuado.

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Liv Aberdine nem chegou a sentir o gostinho de ser uma sidekick de John Constantine e a atriz Lucy Griffiths foi exorcizada da série já no segundo episódio. Culpa do Elmo de Sr. Destino que ela encontra na casa de seu pai no primeiro episódio? Mal sabia ela que andar com Constantine era furada. Tal máxima se estendeu a fazer parte do seriado.

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Manny (Harold Perrineau) é um anjo bundão que parece chupado do anjo que fica de supervisor do Inferno após a renúncia do Primeiro dos Caídos, nas HQ’s de Lúcifer (citado em meu artigo sobre Vilões Heroicos), misturado com o que poderia ser uma versão de Gabriel, que vez por outra ocupava a função de coadjuvante na mesma extinta série. Ocupa uma função de mentor que aparece de vez em quando para aconselhar o protagonista e desaparece misteriosamente para deixá-lo achar o fio da meada sozinho. Uma mistura de Mestre dos Magos, do desenho Caverna do Dragão com Harry Morgan, do seriado Dexter. 

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Chas (Charles Halford), assim como nos quadrinhos, se dá mal e chega a perder o casamento por sua relação com Constantine, coisa que só acontece no “reboot” de Mike Carey quando Chas é possuído por Nergal e espanca sua esposa. A diferença é que está mais bruto, menos simplório e mais subserviente. Sem querer querendo, Constantine concede a seu amigo uma proteção que o deixa de “corpo fechado”. Tal qual um gato, com muitas vidas. Essa “brilhante” adaptação fez com que Chas se torna-se algo próximo ao Kenny, da animação South Park.

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Zed (Angélica Celaya) é uma mistura da personagem homônima do quadrinho com a coadjuvante Emma, presente na primeira aparição de Constantine, ainda na revista Monstro do Pântano. Além de não parecer em nada com a Zed dos quadrinhos, não varia muito da expressão sexy/apreensiva que apresenta durante toda a primeira temporada. De quebra, dá uma de Zatanna em um dos…

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Episódios:

Non Est Asylum- O primeiro episódio nos mostra Constantine internado por estar traumatizado com o evento de Astra. Sem melodramas, o recurso seria uma maneira prática de mostrar o quão problemático é o personagem e apresentar seu drama pessoal, não fosse o episódio uma versão de Intensive Care, apresentado a primeira vez em Hellblazer #08.

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Outro personagem que surge no primeiro episódio é Ritchie Simpson, na versão mais comportada de um professor universitário. Assim como no quadrinho, Ritchie estava presente no episódio de Astra, mas, em sua versão original, é apenas um hacker que atinge a conexão com o Céu e o Inferno através do que seria mais tarde conhecido como Deep Web.

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O episódio acaba com Liv dando um mapa para John após terem conseguido exorcizar Furcifer, numa cena que lembra ligeiramente a imolação do Rei dos Vampiros, em Hellblazer #69 . Com este mapa, John seguirá, ao longo da série, as manifestações do mal ao redor do mundo. Uma pálida adaptação de sua capacidade de sacar pistas e andar na sincronicidade dos eventos, prática que o apresentou ao mundo dos quadrinhos quando tentava tutorar o então ressurreto Monstro do Pântano, repetida por Mike Carey em seu reboot.

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The Darkness Beneath – O segundo episódio nos apresenta a próxima sidekick de John; que  junta duas personagens dos tempos áureos da revista: Zed, de quem herdou o nome e Emma, apenas uma coadjuvante.  Zed tinha visões de rostos que nunca conhecera e os pintava na parede. A garota meio que psicografava retratos falados. A outra, resolve um dia pintar numa tela um monstro com o qual havia sonhado. Quando volta da cozinha aonde foi tomar um café, depara-se com o quadro vazio. A figura saltara da tela e estava bem atrás dela. Trata-se de um Invunche. Falaremos dele mais tarde.

O fato é que a Zed de Constantine pinta em telas APENAS retratos de John, acaba indo conhecê-lo e descobrindo sua própria paranormalidade.  O episódio em si é o mais fraco e a cena da morte no carro, um plágio de Livros de Sangue, de Clive Barker. A única coisa interessante do episódio são os quadros que Zed pinta: antigas capas da HQ Hellblazer.

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The Devil´s Vinyl- No terceiro episódio, John, Zed e Chas se envolvem com Papa Midnight pela posse de um vinil que tocaria uma gravação do Primeiro dos Caídos em pessoa!

Esse episódio é uma cópia da estória I´m just a Big Baby, de Grant Morrison, em Hellblazer #25 e #26, onde toda uma cidade é bombardeada por frequências inaudíveis de 10 hertz, que liberam os desejos mais nefastos e os instintos mais primitivos de cada um. Só a sidekick, Una (que está ouvindo Sonic Youth), não sucumbe à hipnose coletiva. Nem John escapa dessa, usando uma máscara de Margaret Thatcher para conduzir alguns cidadãos a uma odisseia de atrocidades pela noite.

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No episódio, quem ouve a gravação no rádio surta e John invade o estúdio onde está sendo executada a música, ouvindo Anarchy in the U.K. no MP3. Uma boa saída para os leigos, mas ainda aquém do original. O músico que executa tal gravação é claramente inspirado em Robert Johnson, lenda urbana que chegou a ter um episódio de Supernatural dedicado à sua memória. Não falei que a série Constantine tinha cara de Supernatural?

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A Feast of Friends- No quarto episódio, se você teve saco para chegar até aqui, valeu a pena, mas pela nostalgia de um dos melhores momentos da HQ… Na verdade, o primeiro episódio de Hellblazer nos gibis, Hunger. Um antigo parceiro de John, baterista da banda Mucous Membrane, volta de uma viagem à África onde conheceu um menino hospedeiro de um Demônio da Fome.  Decidido a exorcizá-lo – como faria o próprio Contantine  – Gary tem meio êxito, pois consegue aprisionar o demônio mas não salvar o menino, que morre durante o exorcismo. Viciado e em crise de abstinência, acaba tão dependente da entidade quanto da droga e liberta o demônio por não saber o que fazer com ele. John vai à África para descobrir um modo de aprisionar ou banir o demônio e acaba conhecendo um xamã de nome desconhecido.

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A metáfora com a fome na África é perfeita, mas o episódio conseguiu estragar até isso, fazendo as pessoas possuídas virarem de ponta à cabeça, andando em “ponte”, como Regan na famosa cena deletada da versão original de O Exorcista. A caracterização de Gary como um viciado em abstinência ficou forçada e não tem, nem de longe, o peso da cena em quadrinhos.

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Constantine encontra, sim, um xamã, mas aparece como um velho conhecido – a único que recebe bem Constantine, diga-se – e atende pelo nome de Nommo, personagem esquecido pela DC até sua volta em Os Novos 52, alter ego de Dr. Mist.

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Danse Vaudou- No quinto episódio, mais um pout pourri de personagens e situações. Três fantasmas aparecem em lugares distintos, assassinando pessoas por terem sido tirados de seu descanso embora nunca tenham descansado em paz realmente. Dois deles merecem atenção: Um garoto que pede carona e assassina suas vítimas fazendo com que batam o carro e uma modelo que desfere tesouradas após perguntar à suas vítimas se a acham bonita.

O garoto literalmente ocupa um lugar vivido por Constantine, ainda adolescente, em uma de suas estórias. Ao pedir carona, o jovem Constantine (nossa, parece até nome de série. Tomara que não façam!) acaba seguindo viagem de carro ao lado de um ex-padre que enlouquecera após ouvir a confissão do diabo em pessoa! Curvando-se para praticar sexo oral no jovem, acaba levando uma joelhada de John, que tinha sobre sua perna uma gilete, que usara numa “festinha” com duas amigas. O pedófilo acaba com um corte medonho no rosto, e o mago inglês vem a reconhecê-lo anos mais tarde por causa da cicatriz.

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Quanto à modelo, esta usa uma máscara cirúrgica que impede as demais pessoas de verem sua boca. Ela é um misto do mendigo fantasma da estória Hold Me, de Neil Gaiman, em Hellblazer #27 (que matava abraçando aqueles que se recusavam a lhe dar um alento), com o padre supracitado, pois a máscara cirúrgica esconde uma cicatriz de corte na boca da moça.

Como se não bastasse, John, Chas e Zed têm a ajuda de um detetive chamado Jim Corrigan. DC maníacos logo se lembrarão do hospedeiro do Espectro (personagem da década de quarenta). Ao beijar a mão de Zed, Corrigan proporciona à paranormal uma visão na qual o vê morto e envolto em uma névoa verde, o que nos levava a crer que o Espectro apareceria na série.

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Rage of Caliban- Sexto episódio e – finalmente – John consegue tirar o atraso! Após um rápido prólogo com uma menina que se parece mais com Astra do que a própria Astra do seriado (não só a menina, mas o próprio prólogo em si lembra a origem da personagem), John aparece sendo acordado por uma mulher de nome Nora.

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A cena é muito semelhante à de Hellblazer #30, em que John passa a noite com uma amiga prostituta chamada Norma para aliviar a tensão, porque o pai de John fora assassinado pelo serial killer chamado Homem de Família.

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No decorrer da trama, não é a menina que dá trabalho, mas um menino, que faz lembrar a cena final de Hellblazer #92, embora o roteiro pareça mais com o de um episódio vindouro, como veremos adiante.

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Blessed Are the Damned- Um pastor evangélico caipira vem substituindo seu falecido pai, sem possuir a mesma eloquência, o que tem deixado a igreja cada dia mais vazia. Para criar um clima, resolve repetir a façanha do progenitor, que ostentava cobras em suas mãos durante o sermão. A diferença é que, além de eloquente, seu pai omitia o fato de não utilizar cobras venenosas.

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Imbuído de uma profunda fé em Deus e em Jesus, o filho resolve encarnar o pai e acaba sendo picado pela serpente, o que o leva ao chão, fulminado. Poucos instantes depois, o pastor ressuscita, falando a língua dos anjos e realizando milagres tais como devolver a visão a cegos, a mobilidade a cadeirantes e até mesmo regenerar uma perna decepada! Tudo isso porque voltou à vida segurando, sem que ninguém percebesse, a pena da asa de um anjo, que o impediu de rumar ao Paraíso, devolvendo-o à Terra para curar as pessoas. Ao menos é isso que ele pensa.

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O problema é que aqueles que receberam sua graça começam a se tornar ghouls (algo próximo a zumbis, embora não sejam canibais nem putrefatos) e a cometer assassinatos. Para piorar, o tal anjo que cedeu a pena da asa é uma anja – muito sensual – que acabou caindo na Terra e está presa em um celeiro.

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Até aí, é o episódio mais interessante e original, a começar pelo título, que traz uma inteligente ambiguidade em si mesmo. Mas basta assistir mais um pouco para perceber as sutis semelhanças. Pra começar, a anja, chamada Imogen, é o amálgama de dois personagens do episódio Down to Earth, de Hellblazer #66.

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No quadrinho, quem cai é Gabriel, após ceder à tentação e transar com Chantinelle, um súcubo (demônio sexual muito próximo à ideia de Pombagira na mitologia afro-brasileira) a quem Constantine chama carinhosamente de Ellie. Gabriel foi responsável pela morte de outro anjo, amante de Ellie, que a engravidou. Esse conceito foi reciclado pelo mesmo roteirista, Garth Ennis, na série Preacher, que não fazia parte da continuidade Vertigo/DC. Decidida a se vingar, Ellie seduz Gabriel e arranca seu coração, fazendo com que caia na Terra ficando à mercê dela e de Constantine.

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SEGUNDA E ÚLTIMA PARTE!!!

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