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O Prisioneiro – O ideal libertário na telinha da TV (PARTE 1)

O Prisioneiro (The Prisoner) – Um marco cultural que ultrapassou a TV

Assista também ao Formiga na Tela sobre O Prisioneiro!

EU NÃO SOU UM NÚMERO! EU SOU UM HOMEM LIVRE! Gritava o angustiado Número 6, protagonista de O Prisioneiro, ao final da abertura da maioria dos episódios. Se a frase do personagem e o nome da série parecem familiares, talvez você conheça um pouco, ou muito, de Iron Maiden, cuja canção The Prisoner é uma homenagem explícita à série. A banda ainda revisitou esse universo com Back in the Village. Como se trata de um seriado britânico, portanto conterrâneo dos músicos, talvez dê a impressão de que ficou restrito apenas àquelas bandas. Longe disso! Entre outras coisas, O Prisioneiro foi parodiado em um episódio da décima segunda temporada de Os Simpsons, contando até mesmo com a dublagem do ator principal.

the prisoner, a revolucionária série de TV

O misterioso símbolo presente no seriado!

Há alguns anos, circulou a ideia de um remake Hollywoodiano e o diretor cotado foi o conceituado, e admirador assumido, Christopher Nolan (cuja filmografia foi tema de um Formiga na Tela, inclusive). O rei dos quadrinhos, Jack Kirby, chegou a desenhar uma história ambientada naquele mundo. Em 2009, o canal norte-americano AMC produziu uma nova versão que era uma mini-série de seis episódios, com Jim Caviezel e Ian McKellen nos papéis principais. Até hoje, é matéria em universidades no campo da semiótica e abordado em livros de filosofia. Tudo isso indica um peso considerável na cultura pop geral e além. Então, O Prisioneiro poderia ser considerado como uma série muito influente, porém um tanto obscura ao mesmo tempo? Como algo feito para TV, mídia com menos recursos e considerada menor à época, consegue esse feito? A história por trás de tudo se confunde com a trajetória de Patrick McGoohan, o homem que deu corpo e alma ao Número 6.

McGoohan nasceu em 19 de março de 1928, nos EUA, mais precisamente em Long Island, New York. Filho de imigrantes irlandeses, seu pai não demorou a decidir instalar a família na terra natal. Sete anos depois vão para Sheffield, na Inglaterra. A forte educação católica fez com que o jovem Patrick desenvolvesse a ambição de tornar-se padre, mas passados alguns anos essa ideia deu lugar a um interesse pelo teatro. Em 1944 ele deixa a escola e em 47, depois de passar por alguns empregos menores, consegue a vaga de coordenador de palco no Sheffield Repertory Theatre.

Patrick McGoohan, o homem por trás de The Prisoner

Patrick McGoohan (1928 – 2009)

Pelos dois anos seguintes fez de tudo nos bastidores, mas sua grande virada foi substituir o ator principal doente em uma das noites da temporada. Consegue um papel na peça “Serious Charge” que o leva para sua estreia no cinema em 1955, com “Passage Home”. A partir daí, o prestígio na atuação, alternando entre cinema e TV, foi crescendo e fez com que ele fosse sondado para um projeto ambicioso. Ainda não era O Prisioneiro, mas algo que influenciou bastante o caminho até lá.

No começo da década de 1960, o produtor Lew Grade, da rede britânica ITC, procurava um ator para uma nova série de aventura e espionagem, com episódios de meia-hora. McGoohan, católico fervoroso, fez uma série de exigências previstas em contrato antes de aceitar, tais como o personagem utilizar sempre a mente antes de precisar usar uma arma e, para desgosto dos produtores, que não houvesse beijos! O programa foi o ar entre 60 e 61, batizado como Danger Man e seu personagem principal chamava-se John Drake.

Após 39 episódios, não há informação objetiva sobre o motivo pelo qual a série foi paralisada, mas a associação pessoal de McGoohan com o universo dos espiões, mais seu tipo físico e estilo, fizeram com que ele fosse um dos vários atores cotados para a estreia no cinema, em 1962, de um certo agente com licença para matar. Seus rígidos padrões morais explicam sua falta de interesse no papel, mas costuma-se creditar ao estouro de James Bond a volta de Danger Man (Exibido como Secret Agent nos EUA) à TV, agora com capítulos de uma hora, de 1964 a 67. O sucesso permitiu que os dois últimos fossem rodados em cores, e completando 86 episódios como John Drake, era o fim para o personagem, mas também o momento de colocar em prática novas ideias.

O Prisioneiro - The Prisoner

McGoohan como John Drake, em Danger Man!

A ITC e Lew Grade dão sinal verde para uma nova série, mesmo com dificuldade para entender o conceito, que não era fácil de classificar. O programa poderia ser descrito como ficção científica, aventura de espionagem ou suspense psicológico, e talvez fosse tudo isso ao mesmo tempo. Patrick McGoohan e George Markstein, produtor em Danger Man, finalmente começam a desenvolver O Prisioneiro. Existem controvérsias sobre o peso de cada um dos dois parceiros na criação de tudo, mas o primeiro costuma ser apontado como a verdadeira cabeça por trás da série.

Bem vindo à Vila, Número 6

Começa então a saga de um espião inglês, cujo nome nunca é revelado, pedindo demissão por algum motivo não esclarecido. Voltando à sua casa em Londres, é seguido e, ao fazer as malas, um gás se espalha no local fazendo-o desmaiar. Ao acordar, parece ainda estar em sua casa, mas olhando pela janela descobre-se em uma espécie de balneário surreal, de localização desconhecida. As pessoas usam roupas espalhafatosas e guarda-chuvas coloridos, ninguém é chamado por seu próprio nome, mas designados por números. O ex-espião é agora chamado Número 6 e o lugar, chamado de A Vila, é administrado pelo Número 2, um cargo ocupado por alguém diferente a cada episódio.

Número 6 é informado de que está ali para que revele os reais motivos de sua demissão, o que ele recusa, mas o objetivo da Vila parece não ser apenas confinar pessoas que tiveram acesso a segredos de Estado, mas também quebrar a força de vontade e individualidade de cada um, num regime de vigilância invasiva e imposição. Como se não bastasse, não há garantia nenhuma de que as pessoas ao redor sejam também prisioneiras ou mandadas para vigiá-lo. O Número 6, cercado por uma tecnologia estranha e sem saber quem é o Número 1, fará de tudo para escapar desta prisão, mas a Vila tentará dobrá-lo a todo custo.

O Prisioneiro - The Prisoner

Número 6 e Número 2

Em cerca de três minutos, a abertura do seriado resumia essa ideia principal, mostrando o irritado agente entregando sua demissão em mãos e o início de seu encarceramento. A curiosidade sobre essa cena é que o homem atrás da mesa é o co-criador, George Markstein. Quase todos os episódios começam com essa sequencia, mudando apenas a figura e a voz do Número 2 que aparecia naquela semana, conforme você confere abaixo:

Estreando no Reino Unido em 29 de setembro de 1967, com apenas dezessete episódios ao todo, O Prisioneiro se destacou ao evitar o que se esperaria de um produto com essa sinopse. Ao resumir a ideia central do programa, pode parecer que a cada semana era apenas o Número 6 tentando fugir, sendo frustrado nos minutos finais de um jeito bem anti climático. Muito mais do que isso, a série inovou convidando o público a pensar e interpretar de algum jeito aquilo que via. Desde o nome do personagem principal nunca revelado, não houve intenção de entregar uma explicação clara sobre os mistérios que envolviam a Vila e seus habitantes.

Cena de O Prisioneiro (The Prisoner)

Rover, o bizarro sistema de segurança da Vila!

Refletindo algo do período conturbado que mundo passava, cada momento do Número 6 serve, até hoje, como metáfora e crítica social em cima de diversos tópicos. Se até aqui já ficou evidente que havia uma discussão sobre vigilância e cerceamento de liberdade individual, é perceptível que existe algo mais quando em Arrival, o piloto da série, assistimos ao protagonista responder ao Número 2:

-EU NÃO SEREI PRESSIONADO, ARQUIVADO, CARIMBADO, CLASSIFICADO, RESUMIDO, INTERROGADO OU NUMERADO! MINHA VIDA ME PERTENCE!

A fala é claramente inspirada num texto chamado Ser Governado do pensador anarquista Pierre-Joseph Proudhon. Segue um trecho:

Ser governado é ser guardado à vista, inspecionado, espionado, dirigido, legislado, regulamentado, depositado, doutrinado, instituído, controlado, avaliado, apreciado, censurado, comandado por outros que não têm nem o título, nem a ciência, nem a virtude.

Se alguém se lembrou da música Carimbador Maluco, de Raul Seixas, não é por acaso. A inspiração veio da mesma fonte. Aumentando um pouco o caráter surreal da história, O Prisioneiro e o Maluco Beleza tem algo em comum.

CLIQUE AQUI PARA A SEGUNDA E ÚLTIMA PARTE! Aproveitando o assunto, segue um Iron Maiden…

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