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Orgulho e Preconceito – Nova oportunidade para o clássico!

Orgulho e Preconceito

No cenário, a alta sociedade com sua rotina de festas, recepções, jantares sociais e de costumes burgueses. Entre os personagens, jovens apaixonadas, cavalheiros educados e viris, além de coadjuvantes leais e muita gente interesseira que só pensa em dinheiro. No enredo, amores proibidos, sentimentos conflituosos, traições, mentiras e enganos.  Poderia ser esta a sinopse da próxima novela das seis (também de muitas outras novelas) ou de alguma edição antiga de Julia ou Sabrina achada nas bancas de jornal da vida, mas estamos falando de um das maiores obras da literatura universal, o clássico Orgulho e Preconceito (Pride and Prejudice), da escritora inglesa de Jane Austen, agora lançada no Brasil em versão graphic novel pela editora Nemo, com texto de Ian Edginton e desenhos de Robert Dean.

Publicado em 1813, o “filho querido” de Austen, seu primeiro livro escrito, tornou-se digno do rótulo de clássico, justamente por usar com talento os ingredientes caros à sociedade inglesa do século XIX – seja pela curiosidade das classes mais baixas, seja pela identificação dos mais ricos – como estratégia para tecer críticas sociais e morais profundas contra um mundo extremamente difícil para as mulheres. O resultado foi um sucesso comercial estrondoso e ininterrupto, que fez desta uma daquelas obras sempre adaptadas e readaptadas para diversas mídias e cenários ao redor do mundo. Desde o lançamento, Orgulho e Preconceito já foi recontado em inúmeras peças de teatro, cinema, filmes para TV, radionovelas, telenovelas, séries e, agora, quadrinhos. (Obs.: o pavoroso Orgulho e Preconceito e Zumbis, do diretor Burr Steers, não é considerado uma adaptação e será completamente ignorado daqui por diante, mas não deixa de exemplificar a importância cultural dessa obra para os nativos da língua inglesa)

Orgulho e Preconceito

A versão cinematográfica de 2005!

A história gira em torno de Elizabeth “Lizzie” Bennet, uma jovem cheia de princípios membro de uma aristocrática, mas decadente família do interior da Inglaterra. Lizzie é resistente às pressões da mãe e da própria sociedade para que se case o mais breve possível, de preferência com um homem rico que possa supri-la financeiramente. Quando uma família rica se muda para a propriedade vizinha, a mãe de Lizzie vê uma oportunidade de casamento para uma das famílias, mas a garota questiona a situação a todo momento, para horror da família. A coisa se complica quando a jovem conhece Fitzwilliam Darcy, um homem soturno e enigmático, que a principio transmite uma imagem de orgulho e arrogância, despertando na protagonista os mais conflituosos sentimentos.

Não se engane pela aparência açucarada da história. Apesar de Mr. Darcy e Miss Bennet serem um dos casais mais emblemáticos da literatura, a obra é, na verdade, uma contundente crítica ao mundo de aparências e superficialidades das relações humanas, o que torna este livro até hoje muito atual. No mundo sob o olhar de Jane Austen, a felicidade de uma pessoa é enganosamente proporcional ao quanto sucesso ela parece ter, não importa o quanto de hipocrisia, mesquinharia e preconceito essa pessoa se possa valer. Preconceito, na verdade, é peça chave oculta que permeia toda a história, uma realidade onde a impressão e a aparência – e o evidente orgulho disso – estão sempre acima de qualquer relação, sob pena de desprezo social. No livro, a narrativa de Austen conduz o leitor lentamente para o seio deste mundo sufocante, mas com leveza e até bom humor- humor inglês, frisa-se.  Os personagens são apresentados aos poucos, o que permite uma imersão na alma de cada um, permitindo uma melhor análise do comportamento deles.

Nova versão – Releitura primorosa  

Uma versão em quadrinhos deste clássico, embora não seja necessariamente uma novidade (a Orbit Books já havia adaptado a publicação em formato mangá), fatalmente desperta a expectativa por mais um pastiche comercial. Ledo engano. O trabalho que a editora Nemo nos entrega é surpreendente bom, com apuro respeito ao texto original e edição de conteúdo que não desconstrói a obra original, sem, contudo deixar de lhe dar uma nova roupagem e identidade. Esse, aliás, deve ser o grande trunfo desta versão: a graphic novel é eficaz em fundir um texto escrito há mais de 200 anos com foco num publico mais velho, com o dinamismo que a linguagem visual dos quadrinhos exige, propondo um excelente diálogo com o público mais jovem. Nesse ponto, a publicação perde um pouco de força ao não conseguir, apesar dos admiráveis esforços da adaptação, incutir um ritmo que torne a leitura mais saborosa e impactante para os adolescentes, tornando este mais um livro para “iniciados” no estilo.

Orgulho e Preconceito

O texto de Ian Edginton não suprimiu nenhum trecho fundamental da história original. Em essência quase todo conteúdo original está ali, o que torna este trabalho uma ótima oportunidade para se conhecer este importante momento da literatura mundial e o que ela representa. De olho no leitor mais acelerado, Edginton usa uma linguagem leve e dinâmica, frisando as variações emocionais de cada personagem, com mais eficiência nas passagens  cômicas, que aqui ganham força significativa. A tradução para o português por Fernando Variani e Gregório Bert mantém o tom sóbrio e parece não ter trazer prejuízos frente ao original.

O roteirista Ian Edginton nasceu em Birminghan, Inglaterra, em 1969. Um dos de seus trabalhos mais conhecido no mundo é a série Scarlet Traces, que nasceu como uma sequência em quadrinhos no livro Guerra dos Mundos, do americano H.G.Wells. O segundo volume da série, Scarlet Traces: The Great Game, foi indicado ao prêmio de “Melhor Minissérie” no Eisner Award de 2007, e rendeu a ele uma indicação a “Melhor Escritor” na mesma premiação.  No Brasil, um de seus trabalhos mais conhecidos é Reino dos Malditos (Kingdom of the Wicked) publicado em 2006. O autor também já trabalhou para grandes estúdios fazendo adaptações para os quadrinhos de filmes como a Star Wars, Star Trek, Alien vs. Predador e O Exterminador do Futuro.

Orgulho e Preconceito

Os desenhos de Robert Deas são simples, mas expressivos. Com poucos traços e muitas cores, o desenhista é certeiro na expressão corporal dos personagens, que agiliza a identificação dos leitores com os perfis de cada um deles, mas afeta a profundidade que a trama exige nos momentos oportunos. Deas é ainda mais habilidoso na retratação de peças de vestuário e nos cenários da Inglaterra oitocentista, reforçando a atmosfera aristocrática e sufocante em que Lizzie vive. Repare no uso das cores e no detalhamento dos ambientes e apetrechos usados pelas famílias, deixando claro a importância que esses itens têm para os membros daquela sociedade, prevalecendo, muitas vezes, sobre a própria humanidade das pessoas.

Robert Deas também é britânico, nascido em 1979. É famoso na Inglaterra pela série Troy Trailblazer, pequenas aventuras de ficção científica publicadas semanalmente  em grandes  jornais londrinos. Já fez diversas adaptações de clássicos da literatura para os quadrinhos, entre elas a versão de Macbeth, de Shakespeare, para mangá, lançada pela SelfMadeHero, mesma editora que publica a adaptação original inglesa de Orgulho e Preconceito. Seu primeiro trabalho foi November, uma série autoral de espionagem.

Orgulho e Preconceito

Orgulho e Preconceito faz parte de um reforço de 12 títulos que a editora Nemo traz para o catálogo em 2016 com enfoque na discussão social. Em comum, todos os trabalhos foram escritor originalmente por mulheres e lançam olhar sobre questões polêmicas como o preconceito de gênero, violência sexual, misoginia, papel social da mulher, entre outras. Além da adaptação de Jane Austen, a lista inclui nomes como Lu Cafaggi, de “Quando Tudo Começo”, uma história sobre uma garota tímida e solitária em seu primeiro dia de escola, Bianca Pinheiro, de “Bear”, sobre a amizade entre uma menina que se perde dos pais e um urso, entre outras.

Se você já leu o romance original de Orgulho e Preconceito, encare a versão em quadrinhos com o coração aberto de quem sabe a trajetória de uma história que já foi trabalhada nos mais diversos formatos, nem sempre felizes. Veja-a com uma releitura, uma nova versão voltada para um novo público, e você perceberá que em nada ela desrespeita Jane Austen. Caso você não tenha lido o livro de origem, tente fazê-lo assim que terminar a leitura da versão da Nemo e mergulhe ainda mais na complexidade do mundo de Jane Austen. Tenha esta como uma grande oportunidade para conhecer um dos grandes trabalhos da literatura do mundo ocidental. Ah, e não pare por aí.

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