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Divinity – A Valiant finalmente está entre nós!

Divinity apresenta o universo Valiant ao leitor

Nas sábias palavras do filósofo Márcio Seixas: “Aleluia, nasceu, c@#@&%#”! O universo da Valiant Entertainment finalmente ganha um lançamento apropriado aqui no Brasil. E a escolha de pontapé inicial não poderia ser melhor: Divinity, de Matt Kindt e Trevor Hairsine!

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Primeiro, vamos pôr os pingos nos “is”. Essa não é a primeira tentativa de apresentar esse rico e instigante universo aqui ao sul do equador. A HQM Editora já havia feito a primeira investida com outro personagem da casa, o ótimo X-O Manowar, de Robert Venditti e Cary Nord, em 2013.

Mas por uma série de problemas, a série não emplacou. O maior deles foi a própria dificuldade da editora de realizar uma ação publicitária apropriada para trazer o personagem; é preciso entender que, em uma terra arrasada dividida entre fanboys de Marvel e DC, qualquer novidade é recebida de canto de olho.

É isso não está aberto para debates – é um fato. Mesmo nos EUA, a Valiant ainda engatinha para ter uma representatividade decente no mercado; isso a despeito de quase todo o seu material ser de altíssima qualidade técnica. Quem tomar Divinitiy em mãos vai ter uma boa ideia do que estamos falando.

Super-heróis vivem um momento bastante idiossincrático: ao mesmo tempo em que é gritante a necessidade por renovação criativa, os personagens sofrem com o peso da tradição. A resistência que os leitores de heróis clássicos têm a novos materiais é brutal – e a HQM parece não ter levado essa resistência tão a sério.

Resultado: fracasso de vendas, cancelamento da publicação e a perda da oportunidade de ver uma das renovações de personagens (X-O) mais criativas da última década. Felizmente para nós, leitores mais exigentes e em busca de materiais mais interessantes, a Jambô, junto com Social Comics, insistiu nessa ideia.

Graças à Divindade.

Jornada cósmica

Moscou, 1945. Abram Adams é um bebê negro abandonado convenientemente às portas da residência do ministro de relações exteriores da Rússia. Seus pais adotivos eventualmente morrem, e Abram é adotado pelo Estado. Seu potencial para a ciência é reconhecido, e o jovem é educado com o melhor que a “pátria mãe” pode oferecer a seus filhos em termos de formação acadêmica.

Durante o período pré-Guerra Fria, o jovem (juntamente com outros dois candidatos) é selecionado para o programa espacial secreto mais ousado da União Soviética – levar três cosmonautas aos limites do universo conhecido. Em um veículo espacial capaz de atravessar grandes distâncias e através de uma série de etapas de hibernação criogênica a equipe embarca em uma missão de 30 anos para explorar os limites da realidade.

Entretanto, nos confins do cosmo, Adams encontra uma inteligência além da compreensão. Quando retorna para a Terra, ao término da missão, ele não consegue mais reconhecer o mundo que havia deixado – assim como o mundo que deixou não o reconhece mais. Adams agora dispõe de poderes e conhecimentos fora de qualquer escala. É um fato que ele pode ser tanto um passo em direção à evolução humana, como um passo em direção à destruição. Pelo sim, pelo não, os governos do mundo decidem derrubá-lo.

Para isso, enviam Unitysua frágil equipe de heróis mais poderosos, composta por X-O Manowar, Guerreiro Eterno, Livewire e Ninjak. Mas não importa o que o mundo pensa sobre ele – a chegada de Adams à Terra é, antes de tudo, uma missão de reconhecimento e auto-conhecimento.

Dessa forma, o então Abram Adams agora busca sobreviver às investidas do seu mundo natal, que destrói tudo aquilo que não compreende. E Adams sabe – com o conhecimento e poder que agora possui – que existe muita coisa no universo que a humanidade está longe de compreender.

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Um sopro de frescor no gênero dos super-heróis

A pergunta que não quer calar é: por que mais pessoas não estão lendo os heróis Valiant? Não existe nada, absolutamente nada, que um fã de super-heróis possa querer que eles não ofereçam, e com um adendo: criatividade. A Valiant entende algo simples, que a Marvel e a DC – por ganância, burrice, ou o que quer que seja – parecem ser intelectualmente incapazes de compreender: liberdade criativa = bom; mega-sagas e pasteurização = ruim.

Divinity, assim como os outros heróis da Valiant, conseguem encontrar aquele raro equilíbrio entre apresentar heróis dentro das características desse gênero, mas ao mesmo tempo permitindo que seus autores explorem as possibilidades desses personagens sem ficar aleijando-os com diretrizes editoriais tirânicas.

Existe sim, uma coerência dentro desse universo – incidentalmente, é para isso que Divinity serve. Ele explora um pouco mais a fundo a natureza desse universo que ainda é pequeno em termos de desenvolvimento, mas imenso em potencial. Divinity original foi lançado no formato de uma mini-série em 4 partes e, de lá para cá, a Valiant só angaria mais e mais elogios, justamente por conta dessa premissa: seus heróis nos oferecem perspectivas diferentes para o gênero.

O próprio Adams é um show de referências, sem perder sua identidade própria. Observando seu nome, Adams, a composição do seu uniforme – uma mistura clássica de sci-fi dos anos 50/60 com detalhes contemporâneos – e sua viagem aos confins do espaço, é inevitável nos lembrar-nos do personagem do lendário Gardner Fox, Adam Strange.

Não obstante, sua chegada à Terra, o distanciamento provocado pela vastidão do seu poder, acompanhados da narração épica em off de grande parte do texto, nos fazem imaginar se não estamos lendo algum texto perdido do mítico ciclo do Quarto Mundo, de Jack Kirby. Mas essa é a melhor parte de Divinity – ela é muito mais do que suas referências, porque não se resume a elas.

A liberdade criativa oferecida pela editora resulta em um texto épico de Kindt, que oferece uma perspectiva particular de um evento de escala cósmica – note como, em muitos momentos, o enquadramento da cena nos coloca no imediato e exato ponto de vista de Adams. Quando acompanhada pela narração alienígena, fria e sem identificação, temos a impressão de realmente estarmos vendo aqueles eventos – assim como nossa espécie – por uma perspectiva distanciada, como se alguém tentasse compreender o porquê de nossas ações erráticas.

Incidentalmente, não é apenas no texto e nas composições de cena que Kindt se destaca – seu roteiro tem um ritmo incrivelmente balanceado, que permite ao desenhista Trevor Hairsine se esbaldar na composição da diagramação dos quadros. Essa diagramação é um show à parte, imprimindo os fluxos alternados de ritmos necessários, que uma história de escopo épico exige.

Hairsine já vinha de outros trabalhos na Valiant, incluindo um de seus carros-chefe, X-O Manowar. E aqui, ele não deixa a peteca cair: já que a comparação é inevitável, seus desenhos são muito melhores que a maior parte do material genérico e feito a toque de caixa nas duas grandes. Eles possuem tudo aquilo que podemos querer de um super-herói: identidade, clareza quando necessário, dinamismo quando necessário, e uma mão firme que apresentam um tema artístico coeso.

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Sua equipe, o arte-finalista Ryan Winn e o colorista David Baron complementam os lápis de Hairsine muito bem. Winn captura uma qualidade cintilante nas linhas de Hairsine, mantendo-as afiadas, finas e impressionantes. Ao invés de adicionar profundidade indesejada, ele pretende destilar a essência de cada composição, e extrair detalhes no fundo de painéis maiores. Baron equilibra o foco humano e além do humano da questão, alternando entre paletas terrestres e inspiradas no arco-íris.

Para a Valiant e avante!

Por isso amigo leitor, eu peço encarecidamente: banque essa publicação. O preço é meio salgado, sim: entre 35 e 39 Golpes por aí. Mas existem vários fatores a serem levados em consideração: primeiro, a Jambô é uma editora muito menor que uma Panini, e precisa pagar suas contas. Ninguém ali está ficando rico publicando quadrinhos – como ninguém por aqui fica. Só de eles estarem fazendo esse investimento, já vale muito a pena pois, se ainda não está claro, reforçamos: o material da Valiant, com raras exceções, é muito bom.

Segundo, você com certeza já pagou um valor próximo em alguma tranqueira encadernada da Panini/Marvel/DC, e é exatamente esse o ponto: não adianta reclamar que a qualidade do material super-heróico é ruim e repetitiva (coisa que já fizemos aqui várias vezes) e que o material é caro (coisa que também falamos o tempo todo aqui) se, quando alguém finalmente tem as bolas de trazer esse ótimo material para cá, ninguém compra – para juntar grana e torrar em mais alguma merda encadernada do Deadpool ou alguma Crise do Cacete, e depois sair reclamando que o bagulho é ruim.

Não estamos dizendo que não exista coisa boa nas grandes, e nem que nós saibamos mais que o amigo leitor; todo mundo tem o direito de usar o seu rico dinheirinho onde e como quiser. Mas vai se tornando cada vez mais raro e – dado o volume de publicação de coisas ruins de ambas – difícil de encontrar materiais de qualidade nos heróis clássicos de ambas. O Formiga Elétrica vive batendo nessa tecla: tem gente boa fazendo coisa boa por aí, e você não precisa ser um forrageador do underground para ter acesso a coisas como essa.

É só ter um pouquinho de ousadia e sair do óbvio. A Jambô está colocando debaixo do nosso nariz um super-herói que, se não é totalmente inovador, é um sopro de frescor no gênero: é novo, é bem escrito, com arte magnífica e que abre imensas possibilidades para o futuro. Além de pincelar outros ótimos heróis da casa para quem ainda não os conhece – X-O Manowar e o Guerreiro Eterno são alguns dos melhores quadrinhos sendo publicados lá fora.

Portanto, dê um tempo de DC e Marvel e confira Divinity. Afinal, só os leitores podem salvar os super-heróis.

 

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