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Camelot 3000 – História clássica em versão futurística!

Camelot 3000 transporta o mito para o ambiente sci fi

O que aconteceria se o Rei Arthur ressurgisse no ano 3000? Essa é a pergunta que responde a clássica história Camelot 3000, publicada originalmente em 1982 pela DC, criada por Mike W. Barr (Batman: O Filho do Demônio) e Brian Bolland (Batman: A Piada Mortal, HQ comentada em um Formiga na Tela). Aproveitando o lançamento de Rei Arthur: A Lenda da Espada, que trabalha com uma “atualização” do mito arturiano, vamos rever essa outra “reimaginação” deste mito.

(Confira também nossa lista com Cinco filmes sobre o Rei Arthur, a resenha de A Queda de Artur, a resenha da trilogia de Bernard Cornwell e o podcast sobre ela)

Camelot 3000 - Um grande momento da DC

Camelot 3000 – Capa da edição da Panini, lançada em 2010

Camelot 3000 tem como base as duas mais importantes obras escritas sobre Arthur: Le Morte d’ Arthur, de Sir Thomas Malory, publicada em 1485 e O Único e Eterno Rei, de T.H. White, publicada em 1958. Ambas cobrem o mesmo espaço de tempo, do nascimento de Arthur Pendragon até sua (provável) morte, enfrentando seu filho bastardo Mordred. E, para falarmos da história em quadrinho que elas inspiraram, antes se faz necessário falarmos delas.

Le Morte d’Arthur é, segundo seu autor, uma recontagem fiel da vida de Arthur, sua ascensão e queda, bem como a de seus cavaleiros. O livro foi escrito com base em lendas e histórias, tanto em francês como inglês, além de conter adições pessoais de Malory, para “tapar buracos” da narrativa. Por outro lado, O Único e Eterno Rei de White foi escrita após a Segunda Guerra Mundial, vagamente baseada na obra de Malory, sendo reinterpretada para um “mundo em recuperação”, após os eventos da citada guerra. O próprio nome da obra é uma referência à obra de Malory, pois no túmulo de Arthur, segundo este, está escrito “aqui jaz Arthur, que uma vez foi Rei e que o será novamente”.

Uma das fontes de Camelot 3000 é a obra de T. H. White

T. H. White (1906-1964), autor de O único e Eterno Rei (The Once and Future King).

A diferença entre as obras é notória. Na obra de Malory, Merlin é um conselheiro. É um bruxo, sim, mas sua influência não é tão grande, nem seus poderes. Por outro lado, na obra de White, Merlin é um ser velho que está rejuvenescendo, e é extremamente poderoso e manipulador. Lancelot também discutivelmente diferente, sendo o mais belo e melhor cavaleiro na obra de Malory, porém feio (a ponto de parecer um macaco) e simplesmente dedicado na de White. Essa mudança, muito provavelmente se deve ao adultério cometido por Guinevere, a rainha e esposa de Arthur, com este cavaleiro. Morgana Le Fay também é interpretada de forma diferente, sendo praticamente irrelevante na obra de White, ao curso que na obra de Malory temos sua evolução, de antagonista até sua redenção, como a (provável) salvadora de Arthur.

Em diversos momentos eu citei a “provável” morte de Arthur. Isso porque, em Le Morte d’Arthur, o Rei é gravemente ferido na cabeça por seu filho bastardo Mordred e é levado por quatro bruxas, uma delas sendo Morgana, para Avalon, onde iria cuidar de seus ferimentos e ele repousaria até que a Bretanha (e o mundo) precisasse dele novamente. Contudo, há uma dubiedade de seu destino, não sendo claro se ele morreu ou está se recuperando. O Único de Eterno Rei, por sua vez, termina sua narrativa antes da batalha final com Mordred, deixando ainda mais dúbio.

E é aqui que (finalmente) começa Camelot 3000!

Você deve estar se perguntando “e qual versão das obras arturianas esta história usa?” Resposta: As duas e nenhuma. Barr e Bolland misturam as narrativas e acabam criando a sua própria. Merlin não é “Benjamin Button”, mas é extremamente poderoso e manipulador, assim como Morgana le Fay. Lancelot é bonito. Arthur é encontrado por Tom Prentice enquanto se recuperava do ferimento causado por Mordred. Desta forma, os autores tiveram a liberdade de modelar a “história clássica” de modo que melhor se adequasse a história que queriam contar.

Camelot 3000 - Um grande momento da DC

Arthur retorna no momento de maior necessidade da Inglaterra (e do Mundo).

No futuro, a Terra sofre uma invasão de alienígenas impiedosos, que surgiram do 10º planeta do sistema solar (bons tempos que Plutão era planeta…). O jovem Tom Prentice, enquanto fugia por uma série de cavernas, encontra Arthur, que estava se recuperando do ferimento em sua cabeça causado por Mordred. Arthur então precisa reencontrar Merlin, Excalibur e seus cavaleiros, uma vez que praticamente todos reencarnaram no presente ano.

O mais interessante de Camelot 3000 é sua abordagem de temas então polêmicos, nos idos dos anos de 1980, como o machismo, preconceito, totalitarismo, homofobia… E, quando reli essa história para escrever esse artigo, percebi que poucas coisas mudaram em mais de três décadas. Entre as situações conflitantes da história, Tristão reencarna como uma mulher e sofre com preconceito de seus pares, que a/o veem como fraco por habitar um corpo feminino. Mesmo quando consegue a aceitação deles, ela/e continua a não se aceitar, situação que piora quando reencontra a nova encarnação de Isolda, sua amada na outra vida. Percival era um dissidente político transformado em um Neo-humano, um ser forte e bruto usado como mão de obra, mas desprovido de inteligência. Uma punição bem conveniente para essa sociedade.

Os políticos também são alvo da ironia do texto de Mike W. Barr. A Casa Branca se tornou uma base militar, pois o Presidente precisa se proteger de (violentas) tentativas de golpe de estado. E, enquanto a população sofre, os poderosos só se importam em permanecer o poder, uma situação que a HQ mostra também fora dos EUA. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência.

Camelot 3000 - Um grande momento da DC

Além dos aspectos da narrativa e da bela arte de Brian Bolland, Camelot 3000 também é revolucionária por ser a primeira maxissérie, ou seja, uma história limitada, porém contendo mais do que 6 edições (no caso, 12) e foi uma das primeiras obras direcionadas exclusivamente ao mercado direto americano, não sendo lançada em bancas de jornal. Naquele momento, também marcou um momento de ousadia para a DC, que apostava em um material mais adulto (a iniciativa seguinte seria Ronin, de Frank Miller) e sinalizava um caminho que marcaria aquela década. Não por acaso, a Invasão Britânica não demoraria muito para acontecer e o resto todo mundo já sabe.

Eu até diria que vale a pena ler, contudo já aviso que será difícil encontrar. Já havia saído por aqui nos famigerados formatinhos da editora Abril, lá pelo meio da década de 1980, republicada no Brasil em 2010 pela Panini, edição hoje esgotada. Quem sabe ela decida relançar na onda do filme? (…se bem que, pelas resenhas que li, acho que não…)

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