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Arqueiro Verde: Pássaros da Noite – Errou feio!

Arqueiro Verde: Pássaros da Noite

Oliver Queen está chateado porque não sabe se quer ser mais o Arqueiro Verde. Oliver Queen descobre que ainda quer ser o Arqueiro Verde. Ele volta para Seattle para ser o Arqueiro Verde e cuidar da irmã. O Arqueiro Verde investiga assassinatos feitos por fascistas malvados. Mas não eram só fascistas, e sim, robôs assassinos de um cara malvadão. O Arqueiro vence o cara malvadão. Ah, ele adotou um cachorro, tá? Oliver Queen descobre as “origens espirituais” do cachorro (é sério). O Arqueiro Verde enfrenta lobisomens. Agora, ele tem que salvar seu cachorro de ninjas mágicos. Fim.

Faz algum sentido, amigo leitor? Pois é. Isso aí em cima é um breve (mas não o bastante, dado o conteúdo da HQ) resumo do encadernado Arqueiro Verde: Pássaros da Noite (contendo Green Arrow 41-44Green Arrow Annual 1Sneak Peek: Green Arrow)lançado pela Panini. Escrito por Benjamin Percy e assessorado por um time de desenhistas, esse volume é um tremendo desperdício em muitos sentidos.

Arqueiro Verde: Pássaros da Noite

Justiça seja feita, a HQ não é de todo ruim. Em termos de diagramação, a proposta do roteiro de Percy é ousada e moderna. Associada com os bons desenhos de Patrick Zircher, Fabrizio Fiorentino e Szymon Kudranski,  o reultado é visualmente bonito e muito preciso. A escolha da Panini em manter os seus encadernados no formato original, com o papel LWC, também colabora para valorizar o aspecto visual do conjunto. O problema da HQ – um grande problema, aliás – está fundamentalmente na narrativa, porque não estávamos brincando no primeiro parágrafo. A sinopse é basicamente aquela.

Oliver Queen decidiu dar um tempo de Seattle e de seus problemas, mas – ao retornar – precisa lidar com a responsabilidade de ser o guardião da irmã Emiko e também da cidade. Logo os problemas começam, na figura de convulsões sociais que são abordadas da forma mais fascista possível, com uma mistura de iniciativa pública de vigilância ostensiva, usando um programa chamado Panóptico patrocinado pela iniciativa privada – as indústrias Queen. O nome é exótico – uma menção desnecessária e pervertida de um conceito criado por um dos fundadores da ética utilitarista, Jeremy Bentham – mas a ideia lhe é familiar, amigo leitor: um sistema de vigilância infalível, que induz as pessoas a se comportarem da maneira que o Estado deseja. Esse sistema são robôs com alto poder de fogo – os tais “pássaros” – que, é claro, em determinado momento, se revelam um instrumento para um grupo de pessoas malvadas e corruptas dominarem e exterminarem os indesejáveis. Nada que você não tenha visto de maneira muito melhor no primeiro Robocop de Verhooven. Daí para frente é uma confusão só, envolvendo o tal cachorro que Queen encontra no caminho.

Arqueiro Verde: Pássaros da Noite

Não é que as ideias que Percy quer colocar em prática sejam ruins – mas elas não são originais, não são sutis e não são bem executadas. É claro que sempre vem bem a calhar quando um herói com a trajetória do Arqueiro Verde se põe a defender as pessoas comuns de ameaças reais como o fascismo ou a segregação, mas temos que convir que o tratamento dessas questões perde muito da sua força quando começa a ser misturado com robôs e ninjas.

As inúmeras menções às orientações políticas dos seus adversários são simplesmente – como todo o resto – jogadas na trama. Alguém compara sem mais nem menos as ações do Estado ao clássico 1984, sendo que duas páginas antes absolutamente tudo estava bem. O grande assassino psicótico que lidera os robôs nos assassinatos da população pobre de Seattle, majoritariamente negra, é tão branco, mas tão branco, que é albino. Todos os capangas do cara que é tão branco que é albino usam tatuagens escritas “1488” (uma espécie de “marca” da supremacia branca), como se fossem de uma república universitária. Coisas que deveriam ler levadas muito a sério, e que propiciam reflexões políticas e sociais profundas e extensas, são socadas a força em um espaço minúsculo de três edições, sem qualquer fundamento ou desenvolvimento.

Arqueiro Verde: Pássaros da Noite

O que é pior, para dar lugar a um segundo arco que não tem qualquer relação com o primeiro, envolvendo o tal cachorro resgatado por Queen, que até ali era tão relevante quanto o espaço em branco na borda das páginas. O encadernado se encerra com a promessa de continuidade dessa trama, mas não diminui em nada o estranhamento e decepção em relação ao desenvolvimento prévio da trama.

A escolha do tema de Percy para o seu Arqueiro Verde foi ousada, mas a execução muito infeliz. O autor deveria entender que ele está lidando com um personagem cuja veia liberal e social foi explorada previamente de maneira mais do que brilhante – a fase de Denis O’Neill e Neil Adams a frente do título Lanterna Verde e Arqueiro Verde não é apenas lendária, mas também revolucionária, como comentamos em nosso podcast). Ninguém, antes ou depois, contribuiu de tal forma para a constituição do Arqueiro como esses dois, e o fato de eles terem trabalhado temas políticos e sociais para fazer o personagem entrar para a história das HQ’s faz com que qualquer um que opte pelo mesmo caminho tenha que, no mínimo, observar o peso e a responsabilidade sobre essas histórias. Nesse aspecto, Percy fracassa miseravelmente, com uma trama rasa envolvendo questões profundas.

Arqueiro Verde: Pássaros da Noite

Percy obviamente quis deixar a sua marca no personagem. Talvez tenha conseguido – negativamente. A HQ do Arqueiro vem passando por altos e baixos nos últimos tempos, mas é preciso deixar claro que a responsabilidade dos autores é muito parcial. Porque não é segredo para ninguém que a DC virou a casa da mãe Joana, e esses constantes reboots só pioram a cada um que passa. Muitos relacionam às reformulações pós-Novos 52, mas quem acompanha HQ’s sabe que esse padrão besteirol da continuidade DC – salvo raríssimas exceções como o Lanterna de Geoff Johns – vem desde o lançamento da reformulação. Claro que o Arqueiro não deixou de ser uma vítima dessa montanha-russa de escassez criativa. Teve que lidar com a fase questionável de Jeff Lemire e o misticismo que ele tanto adorava, até passando pela patética fase Kreisberg – Sokolowski, os responsáveis pela tenebrosa série Arrow, que, não satisfeitos em rebaixar o personagem a um Batman de segunda na TV, ainda tentaram trazer elementos dali para as HQ’s. É para aplaudir de pé a preocupação e o respeito que a intelligentsia da DC tem com seu público leitor dos quadrinhos.

Arqueiro Verde: Pássaros da Noite

Fora isso, o amigo leitor ainda tem que lidar com algumas decisões questionáveis da Panini. Embora o material utilizado esteja longe de ser ruim, como dissemos anteriormente, o preço de capa é de quase 22 reais. O problema é que a capa é cartonada, e, por apenas 5 reais a mais, o amigo leitor pode comprar outros encadernados da editora, como O Carniceiro dos Deuses e Minha Vida como uma Arma, com tratamento de luxo e capa dura. Se é para publicar um conteúdo questionável como esse a esse preço, com material inferior a outras publicações, é melhor mantê-los restritos aos mix mensais.

Pássaros da Noite é um exemplo típico de HQ de continuidade. Narrativa apressada e de qualidade questionável, como uma dúzia de bons desenhistas dando suporte para conseguirem seu quinhão das indústrias de HQ, que estão na maior parte do tempo se lixando para o seu público leitor, já que hoje estão abastecidas pelos bilhões de dólares da indústrias cinematográfica. Assim, podem se dar ao luxo de ficarem experimentando e fazendo reboots até dar certo. Se der certo.

Ultimamente, ao contrário de Oliver Queen, a DC tem errado toda vez que atira para qualquer lado.

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