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Um Martini Com o Diabo – Máfia espaguete!

Vingança e gângsteres em Um Martini Com o Diabo

Sabe aquele prato bem simples, a macarronada ou o arroz com feijão da sua mãe, da sua avó, que não tem nada de novo, mas tem aquele sabor único, que vem não se sabe de onde, já que não há ingredientes extraordinários, apenas muito amor na preparação? Essa situação chega a quase ser uma analogia com o que você vai vivenciar na leitura de Um Martini Com o Diabo, da Editora Empireo, escrito por Cláudia Lemes, escritora paulista radicada nos EUA.

Um Martini Com o Diabo é um romance de máfia escrito por Claudia Lemes.

Um Martini Com o Diabo, da editora Empireo.

Um Martini Com O Diabo é o segundo livro dela após o muito bem recebido Eu Vejo Kate: Despertar de um Serial Killer.  Nele, a escritora busca construir uma clássica história sobre a máfia nos EUA, mas também uma saga de vingança e, sobretudo, crescimento e amadurecimento. A trama gira em torno de Charlie Walsh, um jovem que bola um plano impulsivo e mirabolante para vingar a violência cometida pelo pai contra sua mãe.

O alvo se tornou um poderoso chefe de uma quadrilha de mafiosos em Las Vegas, e o rapaz atravessa os Estados Unidos para entrar no grupo e se aproximar do pai. Para a surpresa de Charlie, o plano dá certo e ele se vê em meio a um grupo de gângsteres violentos e perigosos, rapidamente se aproximando de sua vítima. O que ele não contava é a transformação que a experiência faria em sua vida, fazendo-o adiar indefinidamente a conclusão de seus planos.

Ao longo dos capítulos, vemos como Charlie se integra ao mundo do crime, identificando-se com seus pares e até os considerando como amigos. Como ele desenvolve sentimentos conflitantes pelo pai, mesmo este demonstrando-se altamente inescrupuloso. O protagonista adere àquela vida sob uma manta de falsos princípios morais que, na verdade, nunca tivera, justificando cada crime cometido como sendo necessário para sua missão pessoal ou cometidos contra pessoas que mereciam sofrê-los. Enquanto isso, descobre um mundo de poder, dinheiro, sexo e drogas.

Assim como aquele espaguete da vovó, o livro não traz, necessariamente, nada de muito novo, mas, mesmo assim é muito saboroso. Inspirada pelos clássicos do cinema e da literatura sobre a máfia, Cláudia Lemes usa e abusa de todas as referências imagéticas possíveis para construir seu universo. A apresentação dos personagens é um desfile de estereótipos do segmento, incluindo descrições de roupas, falas, atitudes, como chefão da máfia ítalo-americana preparando macarronada antes de uma tratativa burocrática, mafiosos de sobretudo e chapéu mascando palitos de dente, cafetões usando camisas floridas extravagantes, calças apertadas e correntes de ouro, homens destacando a própria masculinidade em todos os seus clichês, entre outros.

Narrativa ágil

O que surpreende na obra é o preparo desses ingredientes. A narrativa é extremamente envolvente e o vocabulário rico, apesar de acelerada em alguns momentos – chegando a ser exagerada na pressa por soluções práticas em certas passagens. A descrição dos acontecimentos, muito detalhada, porém ágil, nos atrai para dentro da trama, nos fazendo praticamente sentir na pele os dramas apresentados e querer continuar lendo ao final de cada segmento. Os personagens, embora estereotipados, são atraentes, têm personalidade marcante e cativam o leitor, que o ama ou o detesta conforme a necessidade.

Claudia Lemes autora de Um Martini Com o Diabo.

Cláudia Lemes, autora de Um Martini Com o Diabo.

Nascido da ideia original de uma trilogia com quase três mil páginas, que não foi efetivada, Um Martini Com o Diabo resume com esmero o fluxo de fatos nos muitos anos em que a história se passa. Há certa dificuldade em entender o que realmente sentir por Charlie, talvez propositadamente. O protagonista é desonesto, não se constrange em usar as pessoas para atingir seus objetivos, rouba, mata, agride. Apesar disso, é sempre visto, pelos demais personagens, e pela própria autora, como um rapaz bom em meio um mundo de violência, sempre capaz de demonstrar afeto e questionamentos.

Essa contradição psicológica poderia ser um trunfo, mas não é devidamente explorada na construção do personagem, talvez pelo objetivo de Lemes em não transmitir mensagens moralistas ou julgamentos éticos sobre Charlie. Esse papel cabe ao leitor e a ninguém mais. No entanto, alguns pontos podem incomodar os mais sensíveis. Charlie, por exemplo, é quase um compulsivo sexual, mas isso é apresentado como uma característica totalmente conectada ao universo masculino, com mulheres sempre descritas aos detalhes sobre seus atributos físicos e atitudes na cama. O livro, aliás, tem uma carga sexual marcante (você não passará cinco páginas sem que alguém ali esteja na iminência, durante ou logo após um ato sexual), mas nada que desvie a atenção do leitor do enredo principal e tudo está perfeitamente encaixado na trama.

Vale o tempo investido

Desnecessário o prólogo presente na obra, que entrega um cenário que o restante do livro irá trabalhar através da expectativa. Sem o texto de abertura, haveria muito mais suspense e dúvidas do leitor sobre os rumos da história, tornando-a ainda mais interessante. A própria sinopse na orelha e na contracapa traz informações demais. Mas esse pequeno entrevero também não estraga a experiência de Um Martini com o Diabo, apenas nos faz questionar com mais intensidade como Charlie se tornou no oposto do que queria ser.

Cláudia Lemes nasceu em Santos, litoral de São Paulo, mas cresceu e se estabeleceu como escritora nos EUA. Poderia muito bem ser um romance norte-americano, tanto pela estética narrativa (com forte influência do cinema) como pela intimidade da narradora com a cultura e as características daquele país. Não espere nada de brasileiro nesse livro, com exceção do idioma. A obra é uma viagem ao “país das oportunidades”.

Um Martini Com o Diabo não chega a ser uma obra-prima do gênero, mas é um passatempo interessante e eficiente. Você se sentirá em um novo mundo, onde fidelidade, coragem e entrega são as palavras de ordem. Cláudia Lemes confirma o talento que já demonstrara antes e cria expectativas sobre seus próximos trabalhos. Esperamos que ela continue nesse ritmo feroz e traga para nosso país mais obras como essa, em que as emoções sentidas pelo leitor ao longo das páginas, sejam elas de amor ou raiva contra os personagens, são só possíveis quando se tem um bom texto em mãos.

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