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Pedra no Céu – Sem passado, sem bom senso!

Pedra no Céu

Pedra no Céu

O conhecimento histórico de uma civilização é fundamental para sua evolução, não apenas em questões tecnológicas, mas principalmente nas sociológicas. Imagine-se jogado involuntariamente em um futuro longínquo onde o ser humano, muito distinto dos da atualidade, perdeu o elo com suas origens. Como acha que seria tratado? O alfaiate Joseph Schwartz viveu tal experiência nada ortodoxa em Pedra no Céu.

Publicado originalmente em 1950, Pedra no Céu (Pebble in the Sky) foi escrito por Isaac Asimov (O Fim da Eternidade, As Cavernas de Aço, O Cair da Noite) originado a partir de um conto do próprio autor. A história foi adaptada para se passar no mesmo universo de sua série Fundação e o autor, com o passar do tempo, foi reeditando o livro para alinhar algumas questões de continuidade.

A trama começa com Joseph Schwartz, um alfaiate aposentado que levava a vida de maneira simples e prática. Durante uma caminhada cotidiana, Schwartz é involuntariamente transportado para milhares de anos no futuro devido a um acidente de laboratório nos arredores. Nessa época, a humanidade já havia criado o vasto Império Galáctico, mas a Terra tornou-se um planeta marginal e abandonado, cuja superfície é quase toda inabitável por causa da radiação. Existe até a ridicularização de uma teoria que diz que esse planeta foi o berço da civilização. Schwartz é acolhido por uma família, mas logo é considerado um estorvo, pois há uma rigorosa lei que condena à morte aqueles que completam 60 anos. Com isso, o humano do passado é entregue para o controverso cientista Affret Shekt, que o submete a excêntricos experimentos pioneiros.

Pedra no Céu

Isaac Asimov

Pedra no Céu é o primeiro romance de Isaac Asimov e nele podemos notar muitos elementos dos quais o autor continuaria trabalhando ao longo de sua obra. Questões mais científicas – como mudança corpórea, experimentos de laboratório – e outras mais sociais – como preconceito e a inserção de um indivíduo dotado de poderes mentais em meio a um grupo maior. Nesse sentido, o livro é bem inovador no modo como trata esses temas.

No caso do preconceito, temos um cenário extremamente interessante, onde pessoas de locais mais privilegiados do Império Galáctico veem a Terra como um lugar periférico e seus habitantes como párias da sociedade. Nesse cenário ignorante, o leitor começa a pensar como é possível que em uma época como essa, onde o ser humano é tão avançado tecnologicamente, perdeu-se boa parte da história da civilização, a ponto de o planeta Terra sofrer com essa imagem e com o desconhecimento da origem da civilização. Com o passado esquecido e ignorado, temos uma avalanche de atitudes e pensamentos restritivos e até mesmo fascistas, de modo que a associação com o pensamento ariano torna-se clara, mesmo que não haja uma vilanização maniqueísta. Mas graças a esse tipo de tratamento, os terráqueos também possuem sua espécie de grupo mais extremista, em que os pensamentos se assemelham, em boa parte, aos de Malcolm X no caso da segregação racial, só que no livro temos posições ainda mais radicais.

Talvez, a relação mais importante para se analisar é da bomba atômica do mundo real com a radiação da Terra no romance. O livro coloca de maneira implícita que a causa do planeta tornar-se mais hostil à vida é a radiação e a maior parte da população do Império Galáctico acredita que a Terra sempre foi radioativa, de forma que não poderia ser o berço da humanidade. Juntando isso ao fato de que a Segunda Guerra ainda era uma memória recente quando o livro foi concebido, e as próprias colocações do autor, é possível interpretar que houve algum evento grave no planeta, uma Terceira Guerra Mundial talvez, onde os efeitos atômicos se tornaram irreversíveis e deixaram a Terra inóspita. Você deve estar pensando que esse tipo de efeito não aconteceria e, de fato, está certo. Porém, Asimov não sabia disso e depois que soube escreveu um posfácio se desculpando pelo erro, mas, mesmo que cientificamente incorreto, ainda assim a possível metáfora tem muita força. Imaginar que uma tecnologia mal usada teria o poder de apagar a história da humanidade, negando um passado às futuras gerações, é prato cheio para uma discussão aprofundada que poderia se ramificar em inúmeras variáveis.

Pedra do Céu

Al Hajj Malik Al-Shabazz, mais conhecido como Malcolm X, foi um dos maiores defensores do Nacionalismo Negro nos Estados Unidos. Fundou a Organização para a Unidade Afro-Americana, de inspiração separatista. Podemos fazer um paralelo dele com alguns personagens terrestres em Pedra no Céu.

Infelizmente, por mais interessantes que sejam os elementos colocados em Pedra no Céu, o romance não alcança todo o potencial que promete. A trama se concentra muito num clima de thriller em que Asimov não se dá muito bem. A identificação com os personagens é quase nula e o leitor não consegue se concentrar o suficiente para ter algum tipo de reação mais intensa em momentos de tensão. Em outras obras, o autor se dá muito bem quando explora os conceitos e não seus personagens, mas, neste caso, a estrutura fica muito confusa e pouco eficiente. O fato de ser o primeiro romance do bom doutor e a reedição para que a história se encaixasse mais no universo de Fundação, pode ter contribuído para essas falhas. Contudo, até mesmo relevando isso, a própria parte mais conceitual, que o autor empregou tão bem em outras obras, fica muito abaixo do esperado por seus leitores mais fiéis.

Em muitas passagens, percebemos que poderia haver um aprofundamento maior ou até uma linha narrativa mais apropriada, o que não foi a opção de Asimov. Isso deixa um gosto um pouco amargo na boca tanto para aqueles que gostariam de ler uma ficção-científica mais profunda, inteligente e instigante, quanto para aqueles que simplesmente gostariam de se entreter com um bom livro. Independente dessas falhas, a narrativa ainda traz temas e analogias interessantes para discussão – claro, desde que o leitor se disponha a isso.

Pedra no Céu traz conceitos e elementos que servem de matéria-prima para discussões infindáveis sobre diversas questões sociais e filosóficas. Sem maniqueísmo, o livro – com mais de sessenta anos – consegue pôr em pauta assuntos que até hoje rendem conversas mais calorosas e sentimentos fortes. Infelizmente, a narrativa não atinge o nível de expectativa criado pelos elementos apresentados e pelo calibre do autor. De qualquer forma, vale a leitura e a reflexão. Quem sabe, agindo assim no presente, conseguimos proteger o passado e seguir em direção a um futuro próspero, para não tornar nosso lar apenas mais uma pedra vagando pelo ermo espaço sideral.

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