O livro Cama de Gato é sobre…bem, fala de…ah, lê aí e pronto!
Neste texto, vou falar a respeito do livro Cama de Gato (Cat’s Cradle). O que é uma boa vida? Que tal a possibilidade de selecionar algumas mentiras agradáveis e viver considerando-as verdade? Ah, mas ficar também com algumas verdades verdadeiras. Afinal, nem tudo é ruim, certo? Opa, perdão. Por um momento eu estava fugindo do tema principal deste texto. Vamos lá! Sabe a tal bomba atômica? Uma vez me reuni com alguns amigos – estávamos entediados – e discutimos em uma brincadeira medonha e irresponsável sobre algumas maneiras mais criativas de destruição em massa. Para usarmos em uma história de ficção foi aí que eu… Nossa, olha eu novamente fugindo do tema. Hum, mas pensando bem….
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Piadinhas à parte, o primeiro parágrafo deste texto em nenhum momento fugiu da pauta de Cama de Gato. O livro, publicado originalmente em 1963, atualmente no catálogo da Aleph, realmente fala de tudo aquilo e muito mais. Claro que de uma forma muito mais instigante do que este que vos escreve.
(Acesse também as resenha de outros títulos da Aleph, como Piquenique na Estrada, A Mão Esquerda da Escuridão e Solaris)
Escrita por Kurt Vonnegut (Matadouro 5), a narrativa acompanha o protagonista Jonah – nome sugestivo, não? –, que decide escrever um livro sobre o fatídico dia da explosão da bomba atômica Little Boy em Hiroshima. Em sua pesquisa sobre o falecido inventor da bomba, Felix Hoenikker, Jonah conversa com personagens inusitados que conviveram com o cientista, levando-o a uma jornada controversa que debate, dentre muitas coisas, questões relacionadas à moral, religião, ciência, política e qualquer elemento que possa servir como ferramenta para o fim deste planeta.
Nascido em 1922, no estado de Indiana, nos Estados Unidos, Kurt Vonnegut não só viveu os anos da Segunda Guerra Mundial, como também combateu no conflito. Quando voltou à sua terra natal, o autor dedicou-se à literatura e peças de teatro, quase sempre com textos satíricos.
Subversão, nonsense e que raios é o Grande Peixe?
A subversividade do texto de Vonnegut dá o tom da história do início ao fim. Ou melhor, do início da leitura até o constante incômodo que fica zunindo na cabeça do leitor, mesmo depois do final. Sua sátira do homem moderno está em todos os níveis possíveis do romance, de maneira explícita e implícita. Não se engane. Por mais que a leitura seja agradável e “leve” em sua camada mais superficial, temos um enredo quase nonsense, que no final tem um sentido diabolicamente coerente.
O protagonista Jonah tem o mesmo nome do profeta que supostamente escreveu o Antigo Testamento. Obviamente, há uma relação muito interessante entre esses dois personagens, já trazendo uma carga enorme para o livro de Jonah a respeito da bomba. É como se, assim como o Antigo Testamento, a explosão atômica fosse um evento de proporção divina que definirá o modo como a humanidade vai viver, ou Acreditar, a partir de então. Também é possível fazer uma série de associações com o momento na narrativa bíblica em que Jonas é engolido pelo grande peixe.
Mas o que seria o grande peixe em Cama de Gato? Seria Hoenikker? Provavelmente, mas o mais importante é que cada leitor tenha sua interpretação. O grande peixe pode ser qualquer outro elemento. Pode, inclusive, ser a bomba ou o livro.
Críticas que transcendem sua época
Vonnegut, através de sua ironia, nos apresenta inúmeros elementos interessantes, entre eles a religião Boku-maru, que se baseia – assumidamente – em mentiras. É claro, que aqui temos uma crítica à religião em geral, mas não só é possível, como desejável, que o leitor extrapole um pouco essa interpretação imediata e encare o bokononismo como um exemplar de outras vertentes da sociedade. Por exemplo, a Internet!
Talvez você esteja pensando “o livro é da década de 1960, não tinha internet para o cara criticar!”. Você tem razão, mas não saia desse texto ainda! Se você gosta de literatura de boa qualidade, sabe muito bem que bons autores conseguem tratar determinados temas com uma sabedoria que mantém a obra contundente em qualquer época, pois são desenvolvidos temas referentes ao que é intrínseco do ser humano, independente do período.
Dessa forma, Vonnegut não está tirando sarro das religiões, mas da própria crendice cega e sem fundamento do ser humano. Ora bolas, isso vem de muito antes dos anos 1960, passa pelos dias de hoje e, com certeza, estará presente até o fim da humanidade.
Este é o fim, meu belo amigo
Falando em fim da humanidade, temos um aspecto muito interessante da obra, que é mostrar o lado apático dos cientistas envolvidos no poder atômico, em relação às consequências desse novo poder bélico. A apatia é tamanha, que as grandes mentes por trás da arma definitiva ficam tão entediados que começam a pensar em novas formas de aniquilação.
Pois bem, a partir do momento que isso se apresenta na narrativa, é possível traçarmos inúmeros paralelos. Tais cientistas podem ser desde análogos a políticos até fãs de cultura pop. Estes últimos, independente do tamanho do estrago sucesso de alguma obra, no instante seguinte precisam de algo novo – que precisa, impreterivelmente, ser a mesma coisa.
Por mais que tenha diversos elementos verídicos, Cama de Gato passa longe de ser um romance histórico. Pelo menos, como entendemos o gênero. Aliás, dependendo de sua interpretação, ele pode até mesmo não ter nada a ver com a bomba atômica – como é o meu caso. Sua riqueza está no texto cáustico, na ironia incisiva e na possibilidade das várias interpretações.
E mesmo que o livro lhe dê a recompensa satisfatória de algumas boas risadas, fique alerta, meu caro. Afinal, gatos macacos me mordam, mas estamos rindo do fim do mundo! Se eu soubesse disso, teria me tornado um relojoeiro.