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No Império Romano, alguém já pensava em viagem espacial!

Luciano de Samósata imaginou a viagem espacial há muito tempo…

Muito antes da ficção científica se organizar como um gênero ou segmento literário, as ideias de civilizações extraterrestres e viagem espacial já estavam no ar. Aliás, em um período bem anterior do que quase todo mundo imagina. Luciano de Samósata nasceu no ano de 125 e seu legado inclui História Verdadeira, que continha diversos conceitos que só se tornariam populares centenas de anos depois.

Uma curiosidade histórica deste porte merece ser comentada. No site do Instituto Smithsonian encontramos um artigo sobre o assunto, que fizemos questão de traduzir para o deleite dos leitores do Formiga Elétrica. Não deixe de conferir também um texto sobre a Proto Ficção Científica e outro sobre a formação da FC nos EUA sob a influência de Hugo Gernsback.

Divirta-se!

A Batalha Intergaláctica da Roma Antiga

Centenas de anos antes do público se apaixonar por Star Wars, um escritor sonhou com batalhas espaciais.

Por Lorraine Boissoneault

História Verdadeira, de Luciano de Samósata, apresentou o conceito de viagem espacial há quase 2000 anos.

Os viajantes epaciais de Luciano testemunharam a batalha entre os habitantes da Lua e do Sol, incluindo criaturas estranhas como aranhas espaciais. (Ilustração de Lucian’s True History, Willian Strang, J. B. Clark e Aubrey Beardsley. A.H. Bullen, 1894)

Há muito tempo, em um mundo não tão distante, um jovem ansioso por aventura é atirado à uma guerra galáctica. Forçado a escolher entre os dois lados da batalha mortal, ele se torna amigo de um grupo de combatentes diversos que comandam… abutres de três cabeças, pulgas gigantes e aranhas espaciais?

Cerca de 2.000 anos antes de George Lucas criar sua ópera espacial épica Star Wars, Luciano de Samósata (província localizada onde hoje é a Turquia) escreveu o primeiro romance apresentando viagem espacial e batalhas interplanetárias. História Verdadeira foi publicado por volta de 175, durante o auge do Império Romano. A aventura espacial de Luciano mostrava um grupo de viajantes que deixa a Terra quando seu navio é lançado ao espaço por um feroz tufão. Após sete dias navegando pelo ar, eles chegam à Lua, apenas para descobrir que seus habitantes estão em guerra com o povo do Sol. Ambos os grupos lutam pelo controle de uma colônia em Estrela da Manhã (o atual Vênus). Os guerreiros do Sol e os exércitos da Lua viajam pelo espaço em bolotas ovais aladas, mosquitos gigantes e cavalos grandes como navios, com armamentos bizarros como estilingues que usam nabos enormes como munição. Milhares morrem durante a batalha e o sangue “(derrama-se) sobre as nuvens, que fazem com que elas se tornem vermelhas, às vezes parecendo para nós quando o sol se põe,” Luciano escreveu.

Após a conclusão da Guerra, Luciano e seus amigos continuam viajando através do espaço, aprendendo sobre os estranhos habitantes da Lua (uma sociedade exclusivamente masculina, cuja anatomia incluía um único dedo do pé ao invés dele inteiro e crianças que saíam de suas panturrilhas), antes de visitar Estrela da Manhã e outras cidades espaciais.

Luciano era mais um satirista do que romancista; História Verdadeira foi escrita como uma crítica aos filósofos e historiadores, às suas maneiras de pensar sobre novas descobertas. Como o estudioso Roy Arthur Swanson escreve, o trabalho de Luciano nos traz “a lembrança necessária e perene que pensamento e crença são diferentes e tipos distintos de atividade mental, e é melhor não confundir os dois.”

História Verdadeira, de Luciano de Samósata, apresentou o conceito de viagem espacial há quase 2000 anos.

Os guerreiros mortos pelos nabos mortais. (Ilustração de Lucian’s True History, Willian Strang, J. B. Clark e Aubrey Beardsley. A.H. Bullen, 1894)

Mas ser um trabalho satírico não exclui História Verdadeira do rol da Ficção Científica. Além de mostrar primeiro contato, guerras no espaço e uma viagem à Lua, a natureza satírica do trabalho é, de fato, ainda mais uma coisa em comum com a forma moderna do gênero.

“Um dos temas mais consistentes do sci-fi é a sátira, fazendo graça com a forma como os humanos vivem e governam o mundo,” diz Aaron Parrett, professor de Inglês na Universidade de Great Falls, em Montana. “Essa é uma das razões pelas quais Luciano é tão importante. Ele foi direto ao ponto.”

Luciano também estava provavelmente ciente das grandes pesquisas científicas e filosóficas de seu tempo, incluindo “Sobre A Face Visível No Orbe Da Lua”, de Plutarco, e as últimas observações registradas dos Planetas por Ptolomeu, que ocorreu 14 anos antes da publicação de Luciano. Ainda, o telescópio astronômico não foi inventado até 1610, e a narrativa de Luciano não apresenta uma viagem espacial cientificamente embasada. Isso significa que não conta como uma forma prévia do gênero?

Depende para quem você pergunta. Douglas Dunlop, que trabalha como bibliotecário de metadados no acervo do Smithsonian, encontra paralelos entre os escritos de Luciano e de escritores de ficção científica, como Júlio Verne e H. G. Wells.

Só porque não existe o que poderíamos chamar de ‘ciência moderna’, não muda o fato de que [filosofia e ciências naturais] influenciaram a escrita,” diz Dunlop. “Existe uma teoria chamada Pluralidade de Mundos que vai até a Grécia Antiga, onde havia o conceito de vida existindo no espaço. Então, quem pode dizer que o que eles faziam, em sua filosofia e observação, não estava alimentando sua compreensão do mundo ao redor deles?”

Outros estudiosos literários postulam que mundo da Ficção Científica começa com o Épico de Gilgamesh (2100 A.C.), Frankenstein (1818) ou os trabalho de Júlio Verne (em torno de 1850). Para o famoso astrônomo americano Carl Sagan, o sci-fi começa  com o romance Somnium (1634), de Johannes Kepler, que descreve uma viagem à Lua e a vista da Terra de uma perspectiva distante. Mas Kepler, como observado, foi parcialmente inspirado por Luciano. Ele pegou História Verdadeira no grego original para dominar a linguagem. (Enquanto o Latim era vernacular na Roma antiga, o Grego era a linguagem usada pela elite educada)Ele escreveu que seus estudos foram aprimorados pela diversão da aventura e parece que manteve sua imaginação em movimento. “Esses foram meus primeiros passos de uma viagem à Lua, que foi minha aspiração ainda por muito tempo,” escreveu Kepler.

História Verdadeira, de Luciano de Samósata, apresentou o conceito de viagem espacial há quase 2000 anos.

Os habitantes da Lua eram uma raça exclusivamente masculina, que dava a luz aos bebês através de suas panturrilhas! (Ilustração de Lucian’s True History, Willian Strang, J. B. Clark e Aubrey Beardsley. A.H. Bullen, 1894)

Características de gênero à parte, História Verdadeira e Star Wars oferecem formas de entender e explorar o mundo humano, mesmo que as histórias se ambientem entre as estrelas.

“Uma das grandes coisas que a Ficção Científica faz é a forma como muda a visão das pessoas, mostrando como o mundo pode ser”, diz Parrett. “É notável que pessoas sonhem com coisas muito antes de qualquer possibilidade delas existirem. Isso é um fato não apenas sobre a voar até a Lua, mas sobre voar em si.”

Luciano pode nunca ter acreditado que humanos poderiam chegar à Lua – mas ele imaginou isso. E o caminho que ele pavimentou para as histórias intergalácticas continua a fazer escritores, cientistas e frequentadores de cinema sonharem com algo que esteja lá fora, apenas além do nosso alcance.

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