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Bukowski – Vida e Loucuras De Um Velho Safado!

Bêbado, encrenqueiro, ranzinza, imprevisível, vagabundo, mulherengo, entre outros mais. Esses são os atributos utilizados para descrever Charles Bukowski. Eles não fogem muito da realidade, mas – por trás de tudo isso – há um grande autor que fez de suas desgraças o principal combustível de sua arte. Bukowski – Vida e Loucuras De Um Velho Safado é uma biografia que nos mostra em detalhes a potência dessa gasolina.

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Escrito pelo jornalista britânico Howard Sounes, Bukowski – Vida e loucuras de um velho safado (Charles Bukowski: Locked in The Arms of a Crazy Life) foi publicado originalmente em 1998, cerca de quatro anos após a morte do biografado, e lançado esse ano no Brasil pela Editora Veneta. Sounes é autor de dez livros, incluindo as biografias de Lou Reed, Bob Dylan e Paul McCartney.

Com uma longa e minuciosa pesquisa, acesso à correspondência íntima e entrevistas com amigos, amantes e familiares de Bukowski, Sounes consegue nos entregar uma biografia completa do escritor, que vai desde sua infância conturbada até o estrelato e a morte.

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Se você já é familiarizado com a literatura de Bukowski, deve estar se perguntando qual seria a finalidade de uma biografia sobre um autor cuja obra já é por si só autobiográfica. A resposta é que os poemas, contos e romances do escritor, por mais que sejam inspirados diretamente em sua vida, ainda assim são produzidos a partir da subjetividade dele. Nesta biografia escrita por Sounes, temos uma outra visão da situação, agora com a subjetividade daqueles que fizeram parte da vida do autor. Suas amantes, parceiros de copo, amigos e inimigos.

Nascido em 1920, Bukowski teve uma infância difícil. Com um pai extremamente violento e autoritário, uma mãe omissa e um problema de acne terrível que atrapalhava sua sociabilidade, o jovem Charles já foi se acostumando com um estilo de vida que está longe daquele considerável satisfatório. Na juventude, ele se entregou à bebida e só arranjava empregos braçais e operacionais aos quais odiava e permanecia pouquíssimo tempo. Felizmente, a prosa e poesia entraram na sua vida. Claro que não o afastaram do álcool, mas fizeram com que todo esse sofrimento fosse aproveitado como semente de uma obra ácida que fala sobre esse lado nada glamouroso da vida.

Bukowski sendo Bukowski

Bukowski sendo Bukowski!

Suas poesias e romances começaram a fazer um certo sucesso dentro de um público restrito, mas ainda assim considerável, e não demorou para que Bukowski, mesmo não sendo visto como um cara atraente, começasse a receber cartas e insinuações de incontáveis fãs de seu trabalho querendo fazer amor com o escritor. E este, sem nenhum tipo de seleção ou pudor, o fez.

A relação dele com as mulheres foi base de um de seus livros mais famosos, intitulado Mulheres, e conta os causos mais loucos pelos quais o escritor passou com suas amantes e namoradas. Traições, agressões e humilhações faziam parte da rotina nada ortodoxa de Charles. Sounes acrescenta o depoimento de algumas dessas mulheres, falando como se sentiram ao ler o romance e se verem como fonte de inspiração – o que, neste caso, não é muito lisonjeiro.

Já mais velho, Bukowski consegue atingir o sucesso e ser sondado por estúdios querendo realizar filmes baseados em seus livros. Passou a ganhar melhor e ter uma vida mais tranquila. Uns poderiam achar que seu trabalho diminuiria em qualidade, afinal, se a vida insatisfatória era o principal combustível de suas histórias, um determinado acréscimo de luxo colocaria tudo a perder. Mas ele conseguiu – mesmo debilitado e próximo da morte – se reinventar, acrescentando um pouco de lirismo e simbologia à sua prosa.

Bukowski sendo Bukowski no programa de TV Apostrophes

Bukowski sendo Bukowski no programa de TV Apostrophes!

Tudo isso é detalhado de maneira muito honesta. Sounes faz uma biografia diferente daquelas com as quais estamos acostumados. O texto é feito de uma forma a quase se aproximar de uma narrativa literária, levado com um ritmo rápido e agradável de leitura, algo que não se acha fácil em obras desse caráter. Além disso, Sounes também acerta em não apontar nenhum tipo de julgamento com relação as ações de seu biografado ou de seus conhecidos. Não é uma biografia moralista ou exaltadora. É uma narrativa que cita eventos e depoimentos sobre a vida do escritor. É claro que nenhum texto consegue ser totalmente isento da própria opinião de quem o escreve, mas o autor consegue manter o máximo de imparcialidade possível.

Outro grande acerto na concepção dessa biografia é que ela traz trechos de romances e poemas de Bukowski, intercalados com os momentos de sua vida que os inspiraram. Após a narrativa de algum evento importante na vida de Charles, temos um trecho de uma obra ou poesia que foi inspirada nele. Isso enriquece não só o texto de Sounes, mas também traz uma compreensão melhor da obra de Bukowski. Não só isso, o livro também inclui fotos e desenhos, contextualizando muito bem o leitor.

Faye Dunaway, Charles Bukowski e Michael Rourke no set do filme Barfly - Condenados Pelo Vício

Faye Dunaway, Charles Bukowski e Michael Rourke no set do filme Barfly – Condenados Pelo Vício

Agora, você deve estar se fazendo outra pergunta. Afinal, saber da vida do autor e suas inspirações para a arte não infecta nossa própria interpretação da obra? Posso dizer que eu mesmo evito algumas biografias justamente por causa dessa questão. Mas aqui há uma diferença primordial, que é o complemento. A obra do autor era toda baseada em sua própria vida, e aqui, no livro de Sounes, temos um texto sobre a vida de Bukowski pelo olhar daqueles que não são Bukowski, sejam eles os conhecidos do autor e até o próprio biógrafo. Que retrato mais completo poderíamos ter de seu autor e obra, senão o retrato feito por ele mesmo e outro pelos que estiveram ao seu redor? Deste modo, esta biografia não é apenas mais um simples exemplar do gênero, mas outro olhar da própria obra de Bukowski.

É claro que – não importando a quantidade de informações que tenhamos sobre Bukowski, incluindo sua obra- nunca poderemos afirmar com certeza quem ele era. Volátil, bêbado e grosso são adjetivos que se encaixam nele, assim como zeloso, carinhoso, apaixonado e explosivo. Charles Bukowski passeava entre os extremos das emoções, escondendo algumas delas para não sentir-se despido.

Sean Penn (esquerda) era grande amigo de Bukowski, mas este não suportava muito Madonna que na época era casada com Penn.

Sean Penn (esquerda) era grande amigo de Bukowski (meio), mas este não suportava muito Madonna (direita) que na época era casada com Penn.

Bukowski – Vida e loucuras de um velho safado narra brilhantemente a trajetória de Charles sem julgamentos ou moralismo. É uma biografia que, ao invés de limitar nossa interpretação da obra do autor, consegue nos brindar com uma nova visão. Amado por uns, odiado por outros e uma mescla desses sentimentos antagônicos pela maioria, Bukowski deixou uma marca eterna na cultura mundial, provando que até mesmo uma mosca de bar é capaz de criar uma acidez contundente com um simples jogo de palavras.

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