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A Disney comprou os Simpsons! E agora? Alguém ainda liga?

Como a compra da Fox pode decidir o destino de Os Simpsons?

A Walt Disney Company segue comprando empresas a rodo. Recentemente, foi a vez de boa parte da 21st Century Fox. A compra ainda depende de aprovações do governo estadunidense, mas o mundo nerd já tem feito o que sabe melhor: especular.

Outros colossos da cultura pop já haviam sido adquiridos pela casa do Mickey, periodicamente: Pixar (2006), Marvel (2009) e Lucasfilm (2012). E o que se pode dizer dessas compras? Bem, há quem culpe a Disney por forçar a Pixar a investir em franquias como Carros. Ou por socar uma piada a cada dois minutos em Os Útimos Jedi. Mas, à parte de atribuições de culpa, convenhamos que o saldo é comercialmente positivo: toneladas de sucessos foram lançados sob o comando da Disney.

No caso da Fox, algumas questões logo vêm à tona. De cara, há a esperança de que os personagens de X-men e Quarteto Fantástico dividam a telona com outros figurões da Marvel Studios. Além disso, diz-se que a compra consolida grandes planos da Disney para o mundo do streaming, criando serviços que peitem a gigante Netflix. Perspectivas curiosas, não?

E ali, jogada no canto, uma família amarela que por anos foi carro-chefe da Fox. Mais do que isso: foi sinônimo de pioneirismo nos mundos da animação e do entretenimento em horário nobre. Pois é, os Simpsons também foram comprados pela Disney, e resta descobrir se alguém ainda liga muito para eles.

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Por muitos anos, esse foi o sofá mais importante da TV.

Uma receita de sucesso

Criados por Matt Groening e lançados em 1989, Homer, Marge, Bart, Lisa e Maggie Simpson já foram uma coqueluche global. Hoje, no alto de sua 29ª temporada, seguem facilmente reconhecíveis no universo pop, mas nem de longe tão celebrados quanto antes.

Não é que os episódios atuais sejam um horror – quer dizer, não necessariamente. A questão é que, para além de qualquer purismo barato, Os Simpsons teve sua era de ouro muito, mas muito tempo atrás. E ela pode ser facilmente explicada pelo seguinte: ótimos produtores e roteiristas.

Assim como (reza a lenda) George Lucas se beneficiou de grandes conselheiros para que a trilogia original de Star Wars se livrasse de algumas ideias idiotas, o mesmo pode ser dito de Matt Groening – que queria que Marge tivesse orelhas de coelho sob a cabeleira azul. Pois é…

Mas uma boa equipe não serve apenas para evitar cagadas. Ela potencializa ideias promissoras, apara as arestas, constrói grandes momentos e desenvolve personagens. A família Simpson poderia ser bem carismática por si só, especialmente graças a um imbecil feito Homer e a um anarquista feito Bart. Porém, cada membro da família foi trabalhado a ponto de se tornar um verdadeiro ícone – inclusive a bebê Maggie. Aliás, toda a cidade de Springfield recebeu esse tratamento, e o resultado é histórico, orgânico, hilário.

Com essa grandiosidade em mente, faça um exercício, então: pense em grandes momentos de Os Simpsons. Pronto? Agora, consegue se lembrar do episódio em que cada situação se desenrolou? Se o Google não ajudar muito nisso, fica aqui um palpite: foi entre a 3ª e a 8ª temporada da série. Justamente o tal período que concentrou a melhor safra de produtores e roteiristas.

Junto ao caótico Groening, havia Sam Simon, produtor que encabeçava brainstormings de piadas. Havia o também produtor James L. Brooks, lembrado por trazer uma autêntica sensibilidade à animação. E havia roteiristas como Bill Oakley, Josh Weinstein ou David X. Cohen.

Foi nessa fundação sólida que Os Simpsons mostrou a que veio, mas pouco a pouco o time foi se esfarelando. Simon quis tocar outros projetos em 1993. Brooks seguiu na equipe, mas um tanto mais distante desde alguns desentendimentos em 1995. Oakley e Weinstein resolveram se dedicar à subestimada animação Mission Hill, em 1997. Cohen ficou encarregado de Futurama, em 1999, outra criação de Groening. E ele próprio parecia muito mais interessado em Fry, Leela e Bender do que nos cidadãos de Springfield.

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Groening, Brooks e Simon no início dos anos 1990.

Ladeira abaixo

Apesar do desmantelamento gradual da equipe, muitos fãs apontam um certo episódio como inaugural da fase ruim: “The Principal and the Pauper” (9ª temporada). Nele, o diretor Seymour Skinner – conhecido por retidão moral, disciplina e uma relação bizarra com a mãe – tem seu grande segredo revelado. Ele é, de fato, Armin Tamzarian, que serviu o exército com o verdadeiro Skinner. Quando Skinner foi dado por morto, coube a Tamzarian das as novas à mãe do colega. Porém, na hora H, o rapaz resolveu se identificar como o suposto falecido, assumindo seu papel dali em diante.

Sim, essa premissa traz uma montanha de furos consigo. Mas é cânone da série – se é que Os Simpsons pode ser considerada uma série com cânone consistente. No tal episódio, o verdadeiro Skinner volta a Springfield, a fraude de Tamzarian vem à tona e, no fim das contas, a cidade inteira professa seu amor pelo diretor da escola, se livrando do Skinner original e fingindo que nunca houve qualquer embuste.

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O verdadeiro Seymour Skinner e o farsante Armin Tamzarian – que acaba se tornando o Skinner oficial, de qualquer modo.

Os fãs se sentiram traídos, tendo investido por anos em um personagem que, em 20 minutos, se revelou o contrário. Pareceu uma saída barata para movimentar as coisas, e talvez não fosse o fim do mundo se a série não passasse a insistir em tantas outras saídas igualmente baratas.

Vejam, o absurdo da coisa nem é o problema. É só lembrar da tentativa de assassinato do magnata Burns em “Who Shot Mr. Burns?” (dividido entre o fim da 6ª e o começo da 7ª temporada). No fim, descobrimos que foi Maggie quem puxou o gatilho e não questionamos se um bebê tem mesmo motricidade o bastante para isso. Os Simpsons sempre estiveram na linha tênue entre o real e o absurdo, e nos entregávamos à boa construção desse mundo curioso – inclusive nos fantásticos episódios de Halloween. Só não dava para comprar qualquer absurdo, enfim.

No Brasil, ajudando a azedar tudo, tivemos outra ingrata surpresa por volta da 8ª temporada: a troca dos dubladores originais da série. Talvez isso não aflija os amantes de conteúdo legendado ou espectadores mais tardios. Contudo, antes que o comentário possa parecer nostalgia gratuita, vamos admitir que vozes como as de Marge e Homer são elementos fundamentais de sua caracterização – quer dizer, pressupondo um trabalho de localização decente, buscando manter aspectos significativos do original. É natural que o “Doh!” de Homer não faça tanto sentido em português, mas isso não é impeditivo para uma boa versão.

Mesmo a dublagem estadunidense é famosa por seu critério. Vide o respeitoso sumiço de personagens como Troy McLure, desde que seu dublador original, Phil Hartman, faleceu em 1998. Ou o quase cancelamento da série toda, em 2004, quando os dubladores passaram a exigir melhores salários. Só é uma pena que critério semelhante não tenha figurado entre os roteiristas.

E não é que tinha como piorar?

Periodicamente, a série quis retomar nossa atenção com grandes participações. Mas, com premissas fracas, que diferença fazia se o U2 ou o Metallica interagiriam com Homer e os demais? Sim, na fase áurea já havia presenças ilustres do mundo real, mas também havia propósito e ousadia nisso. Basta dizer que os Ramones cantaram parabéns para o Sr. Burns ou que Paul McCartney foi amigo íntimo do também vegetariano Apu.

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Anunciou-se recentemente que Ed Sheeran participará da 29ª temporada. Só de olhar para o personagem que ele dublará, já sacamos que será um interesse romântico de Lisa. Original, não?

 

Aliás, outro grande momento de ódio dos fãs se deve a uma participação de celebridade. O episódio “Lisa Goes Gaga”, da 23ª temporada, é para muitos o pior de todos. Lady Gaga aparece em Springfield para cativar todo mundo com sua positividade, em especial Lisa, excluída pelos colegas. Novamente, o problema não está na presença da artista em si, mas no enredo preguiçoso que, em vez de aproveitar uma personalidade tão curiosa como Gaga, quer nos convencer de que basta vesti-la com roupas bizarras e jogá-la na nossa cara.

Além disso, há uma tremenda descaracterização de Lisa, que aprende que descontar nos outros é a fórmula da tranquilidade (hein?). Vale lembrar que a garota já havia lidado com a rejeição em episódios como “Summer of 4 Ft. 2” (7ª temporada), mas com coerência, sensibilidade e, acima de tudo, humor.

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Lady Gaga e sua questionável visita ao lar dos Simpsons.

E se ficar a impressão de que pelo menos o caráter provocativo da animação permaneceu, não é bem por aí. Também nisso erraram a mão.

Conforme bem colocado pelo youtuber Super Eyepatch Wolf (legendas apenas em inglês), Os Simpsons foi deixando de ser contracultura. Perderam-se a sátira das virtudes estadunidenses e a liberdade de tratar de temas mais espinhosos. No lugar disso, a família Simpson e a cidade de Springfield passaram a glorificar, e não mais subverter, o status quo de seu tempo, ano após ano.

Os Simpsons não inventou a animação de humor negro, claro, mas foi responsável por mostrar ao mundo que o horário nobre aceitaria alguma dose de acidez. Conforme a série foi deixando de lado esse aspecto, fãs migraram para animações muito mais consistentes e radicais, como South Park e Family Guy. A verdade, porém, é que sem Os Simpsons, nenhuma delas teria existido com tamanha projeção ou perspectivas de tanta lucratividade.

Ao mesmo tempo, ninguém se espantaria se algum personagem de South Park ou de Family Guy fosse molestado por um panda, mas o que dizer de quando Homer passou por essa experiência no episódio “Homer vs. Dignity” (12ª temporada)? O que Os Simpsons queria ser, afinal?

Talvez o único feito interessante da animação, de um bom tempo para cá, tenha sido seu longa-metragem, Os Simpsons: o filme (2007). O contexto cinematográfico trouxe um embrulho diferente, até para coisas que no seriado pareceriam mais saídas baratas – como mostrar o pênis de Bart ou o dedo médio de Homer. Também nos permitiu desculpar um tanto de piadas medianas, como aquela do porco-aranha (é mediana, vai). Parece que o filme trouxe consigo um caráter geral de celebração de Os Simpsons, à parte dos tempos de vacas magras, e funcionou. Pontualmente, porém.

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Em 2010, a série teve outro grande momento: a abertura criada por Banksy. Mas o mérito é menos da série e mais do artista urbano, que usou o espaço para alfinetar os próprios Simpsons e seu esquema de produção, acusado de explorar mão de obra barata.

Em novas mãos: reformar ou demolir Springfield?

E agora, o que a Disney vai fazer com Os Simpsons? Novamente, podemos tentar paralelos com Star Wars. Afinal, a franquia de George Lucas nunca foi um fracasso de audiência, mas tanto os críticos quanto os próprios fãs sabiam que o material mais recente deixava a desejar.

Assim, quando a Disney adquiriu a Lucasfilm e anunciou que uma nova trilogia estava a caminho, Lucas foi rebaixado a mero consultor. O mesmo Lucas que, no comando dos Episódios I, II e III, estava cercado de uma equipe que diria amém para qualquer ideia sua: midi-chlorians, Jar Jar Binks, diálogos hediondos, Anakin e Padmé rolando na grama… Essas pérolas.

Lucas comparou a transição a “vender seus filhos como escravos”. Mas os fãs reconheciam, desde as controversas edições especiais da trilogia original, que Star Wars era algo muito maior do que seu próprio pai poderia delimitar. Separar criatura e criador poderia ser uma ótima ideia, e quando O Despertar da Força foi lançado, todos respiraram aliviados diante de um filme que parecia resgatar a magia da franquia. Mesmo o repeteco descarado da trama de Uma Nova Esperança foi tolerado, e os eventos das famigeradas prequels foram ignorados – com exceção de alguns comentários genéricos em Os Últimos Jedi.

O mesmo serviria para Os Simpsons, então? Existe aí uma chance de a Disney resgatar a qualidade da franquia?

Primeiro, talvez não caiba responsabilizar o criador Matt Groening na mesma medida que George Lucas. Quem sabe a culpa de Groening não se dê em uma via oposta à de Lucas? Por negligência com a série, e não por controle excessivo? É possível, mas essa investigação fica para a próxima.

Segundo, vale pensar na grandeza de cada fenômeno. O lançamento de um filme Star Wars é sempre um evento colossal, recheado de amor e ódio (sim, ódio) de massas diversas. Por outro lado, episódios de Os Simpsons vêm e vão com certa banalidade – e com audiências cada vez menores.

Fica aqui um palpite: embora não falte potencial a toda Springfield nem visão estratégica à Disney, parece que uma recuperação da série não interessa mesmo a ninguém. Infelizmente.

A marca já está bem consolidada, afinal. A tal era de ouro dos Simpsons foi tão significativa que a marca pode transcender qualquer coisa. Que impacto novos episódios, fracos ou ótimos, teriam no já seguro merchandising? Em algum videogame de última geração? Em algum brinquedo sofisticado nos parques de Orlando? Ou mesmo na promoção de um segundo longa-metragem? Tudo isso é perfeitamente vendável sem que se gastem maiores energias com a série de TV.

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A Disney talvez prefira investir em mais lojas temáticas dos Simpsons – como esta, do Universal Studios Florida – do que em melhores episódios.

De qualquer modo, o público seguirá crendo nesses mitos de referência cada vez menos contemporânea e mais atemporal: a adorável idiotice de Homer, a sagacidade de Lisa, a malandragem de Bart, as mutretas de Moe, a crença de Flanders, a ganância de Burns…

Mas os episódios, esses respiram com a ajuda de aparelhos. Honestamente? Vamos admitir que as antigas memórias funcionam bem melhor do que uma pilha de temporadas moribundas. O contrato atual da série vai até 2020, com sua 30ª temporada. Eis a oportunidade de a Disney puxar a tomada e aplicar uma honrosa eutanásia na animação – por mais que doa o adeus.

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