Home > Cinema > Sem Amor – O retrato da modernidade líquida

Sem Amor – O retrato da modernidade líquida

Uma criança em um mundo Sem Amor

Sem Amor (Nelyubov) é brutal, quebrado e inquieto. Escrito e Dirigido por Andrey Zvyagintsev (responsável pelo ótimo Leviatã, de 2014), a história nos leva ao momento do ápice de agressões entre o casal Boris (Aleksey Rozin) e Zhenya (Maryana Spivak), que já faz parte da rotina deles e antecede o acordo do divórcio. Não sabemos aqui o real motivo da separação, uma dúvida e um exercício de imaginação para o espectador que transforma e confere força à trama.

(Confira também a crítica de outro exemplar do cinema russo: Paraíso)

Crítica do filme Sem Amor.

Sem Amor

As consecutivas brigas do casal levam o filho Alyosha (Matvey Novikov) a, frequentemente, se trancar em seu quarto. Durante uma certa discussão, Boris e Zhenya disputam a guarda de Alyosha. Diferente do que você poderia imaginar, o atrito entre os pais é justamente porque nenhum dos dois quer cuidar da criança. Alyosha escuta atrás da porta a discussão e decide fugir de casa. Dois dias depois (ambos tem seus respectivos casos amorosos), percebem o desaparecimento do filho e a busca pela criança tem início.

A busca por Alyosha

Mergulhando o espectador em uma busca angustiante, Sem Amor é o questionamento do próprio significado da palavra “amor”. Zhenya é completamente desiludida com o marido do qual deseja divorciar-se, é agressiva e critica seu filho a todo momento, diversas vezes chegando a dizer que deveria ter abortado a criança. Zhenya quer “aproveitar a vida”, já que teve um filho inesperado e por isso não o aceita. Boris é pior que a ex-esposa. Não possui nenhuma ligação com o filho e se abstém a todo momento das tarefas de pai.

A bravia vida do futuro ex-casal é, como se viu, completamente disfuncional. As coisas mudam quando ambos estão com os seus pares amorosos, cada um deles transformando-se completamente. E o celular adquire papel narrativo importantíssimo. Vidas vazias, sem energia e depreciadas são trocadas pelo mundo virtual das redes sociais. Em uma cena, Zhenya tira fotos do prato no restaurante onde está com o amante, publicando em seguida em uma rede social.

Crítica do filme Sem Amor.

Enquanto Boris e Zhenya são completamente negligentes com o filho e preocupados com seus respectivos amantes (a amante de Boris está grávida, o que mantém sua atenção exclusiva para o filho que virá), esses se mostram pais presentes com os respectivos rebentos. A busca pela redenção divide espaço com aquilo que é imutável e percebemos no epílogo que certos personagens não mudam, como há também aqueles que conseguem buscar um novo caminho. Há um belíssimo plano, em certo momento da projeção, que mostra um dos personagens correndo em uma esteira, uma representação simbólica da vida que não avança, não importa o quanto a pessoa corra.

A sensibilidade do Amor

A perturbação e a inquietude dos personagens são registradas também durante as cenas de sexo. Sob os cuidados da fotografia, as cenas acontecem em lugares escuros e totalmente mecanizados, como se o sexo fosse algo brutal e sem vida, basicamente o registro daquilo que estão passando em suas vidas.

Mas os momentos mais sensíveis da obra acontecem com Alyosha. É muito tocante ver o garoto atrás da porta entreaberta ouvir a discussão entre os pais, para logo em seguida arrumar a cama e dormir. Um choro desesperador toma conta do quarto para logo em seguida ser silenciado pouco a pouco por um suspiro desolador. Triste e sensível, Matvey Novikov impacta o espectador em uma cena muito bem construída pelo diretor Zvyagintsev logo nos primeiros momentos do filme.

Através de planos com natureza morta, o diretor constrói também elipses elegantes que nos levam a entender o tempo decorrido entre a busca e o desaparecimento de Alyosha. No epílogo, uma destruição envolvendo um cenário convida o espectador a se sensibilizar e perceber que, perante o fim, há sempre uma possibilidade de recomeço.

Crítica do filme Sem Amor.

O significado do Amor

Há questões políticas envolvidas, afirmou o próprio diretor, sobre a situação vigente na Rússia. Valores foram corrompidos, no lugar do verdadeiro significado do amor surge um país conspurcado pelo consumo, redes sociais e o culto hedonista ao “corpo de academia”. E esse é um dos maiores problemas da contemporaneidade humana. Pouco a pouco, a vivência do amor está sendo trocada por um materialismo líquido, fruto de uma modernidade líquida, segundo Zygmunt Bauman, onde os relacionamentos são fluidos e momentâneos. O que nos leva a questionar sobre o amor de Zhenya e Boris em relação a Alyosha. Seria possível o amor maternal ser também corrompido por uma sociedade líquida?

Em Sem Amor, não há apenas um retrato da Rússia contemporânea e a dissolução de valores com relação ao significado da palavra amor, mas também um registro da sociedade cada vez mais afundada na busca pelo “ter”, ao invés da procura pelo “ser”.

Já leu essas?
O Rei da Comédia - Robert De Niro
O Rei da Comédia, de Martin Scorsese, na pauta do Formiga na Tela!
Duna: Parte 2 - FormigaCast
DUNA: Parte 2 na pauta do FormigaCast!
Fase IV: destruição - Ficção Científica
A Ficção Científica Fase IV: Destruição analisada no Formiga na Tela!
Fogo contra Fogo - Robert De Niro - Al Pacino
Fogo contra Fogo, o duelo entre Robert De Niro e Al Pacino, no Formiga na Tela!