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Peter Bogdanovich e seu espaço na Nova Hollywood!

Pausa para Coppola, Scorsese e Friedkin… Vamos agora de Peter Bogdanovich!

O sobrenome Bogdanovich não é dos mais amigáveis para memorizar ou escrever, mas é muito importante que você, cinéfilo apaixonado pela história do cinema, saiba que a Nova Hollywood, um dos movimentos cinematográficos mais importantes da história do cinema, também deve um pouco de sua revolução para este (hoje) senhor de quase 80 anos. Sim, ele foi importante. Memorize esse nome, por mais difícil que seja…

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Se não der o nome, guarde o rosto…

Antes de qualquer coisa, vamos biografar o homem…

Nascido nos Estados Unidos em 1939, mais especificamente em Kingston, Nova York, Peter Bogdanovich foi cinéfilo desde pequeno. Estudou arte dramática aos 15 anos e colecionava fichas de todos os filmes que assistia, frequentando o cinema entre seis e oito vezes por semana. Nerd, com louvor.

Seu início na indústria do cinema ocorreu de forma semelhante a Truffaut e Godard, diretores que começaram suas carreiras como críticos de cinema, através da Cahiers Du Cinema, antes de abrirem as portas para a Nouvelle Vague. Assim como estes precursores deste movimento francês, Bogdanovich foi crítico de cinema pela revista Esquire antes de ingressar efetivamente como um cineasta.

As matérias, entrevistas e críticas que escrevia nesta revista, e sua vida social ativa, fizeram com que interagisse diretamente com o mundo do cinema e começasse a cultivar amizades com grandes diretores da velha Hollywood como John Ford, Howard Hawks e também Orson Welles.

Porém, foi com o diretor e produtor Roger Corman (mestre dos filmes B e padrinho de diversos diretores hoje renomados) que teve sua primeira oportunidade efetiva como diretor. Em uma das cabines que frequentava, encontrou Corman, que mencionou já o conhecer pelas matérias da Esquire. O “King of the B’s” ofereceu a ele seu primeiro trabalho próximo à direção como assistente em Anjos Selvagens de 1966. Pouco tempo depois, sua primeira obra na direção sairia do forno com o aval do próprio Corman.

A época não poderia ser melhor!

As grandes produções, em declínio, abriam espaço para realizações pouco convencionais. O Oscar de 1968 foi uma revolução cinematográfica nos Estados Unidos. Artistas reconhecidos pela imagem e beleza como Cary Grant, John Wayne, Elizabeth Taylor, Gene Kelly, Marilyn Monroe, perdiam espaço para Dustin Hoffman, Sidney Poitier e até Charles Bronson, atores que em nada representavam os galãs da antiga Hollywood.

Desta forma, inspirado pela contracultura, juntamente aos movimentos cinematográficos de outros países, como a França, Itália, Japão e Inglaterra, o mercado cinematográfico americano clamava por renovação.

Junto a premiação de melhor filme no Oscar deste ano estavam obras como A Primeira Noite de um Homem, cujo protagonista era o, até então estreante, franzino Dustin Hoffman, que em nada se assemelhava aos atores clássicos hollywoodianos, juntamente com Bonnie and Clyde, inicialmente idealizada para ser dirigida por Godard ou Truffaut pelo conteúdo ao melhor estilo Nouvelle Vague. Ainda dois filmes com temas sobre segregação racial tiveram destaque. No Calor da Noite e Adivinhe Quem Vem para Jantar, ambos protagonizados pelo ator negro Sidney Poitier. Todos refletiam questões contestatórias e já soavam como autorais e diferentes.

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Dustin Hoffman, um galã improvável!

O início desta nova fase anunciava uma liberdade cinematográfica para diretores, e nascia uma nova geração de cineastas que tinha comando maior sobre os produtores, fato que pode ter sido a grande revolução no cinema americano. Se alguma vez houve uma década de diretores, foi essa. Coletivamente, tinham mais poder e prestígio do que nunca. E Bogdanovich estava nesse bonde da alegria.

Ao lado de sua então esposa, Polly Platt, e apadrinhado por Roger Corman, criou o roteiro, dirigiu e lançou Na Mira da Morte em 1968, filme realizado em apenas 23 dias. Não teve êxito comercial, mas preparou o terreno para que recebesse um orçamento maior e dirigisse a sua obra de maior sucesso de crítica e público, A Última Sessão de Cinema em 1971, um dos principais e melhores exemplos do cinema autoral americano daquela época.

Estreia em alto nível (com spoiler? Sim, um pouco…).

Como tinha ainda contrato com o ator Boris Karloff, já em fim de carreira, e pelo bom trabalho que Bogdanovich havia realizado na co-direção de Anjos Selvagens, Corman deu a ele a famosa carta branca. Assim, o neófito cineasta, junto com sua esposa, desenvolveu um roteiro original para sua estreia em Na Mira da Morte.

Na construção de personagem realizada por Bogdanovich, Karloff interpreta um ator de filmes de terror bem-sucedido, mas cansado de trabalhar em papéis idênticos desde seu início de carreira. Descontente com seus próximos projetos, decide que não pretende mais atuar no gênero. Considerava-se uma caricatura de si mesmo.

Acontece que mesmo com certo desgosto, ainda é convencido a fazer uma apresentação de seu último filme em um drive-in. O personagem de Karloff é moldado de uma forma tão realista que fica claro que está interpretando a si mesmo.

Paralelamente, acompanhamos um jovem que vive aparentemente uma vida ordinária, com um bom trabalho, família e namorada. O modelo de juventude pertencente a boa e velha família tradicional americana nas décadas de 1950 e 1960. Porém, o rapaz irá nos surpreender com um desvio razoável no seu comportamento. Isso é o começo do caos, o resto é spoiler…

Bogdanovich simbolicamente deixa claro nestas duas histórias, que irão se fundir, a urgência da reinvenção cinematográfica de Hollywood aplicando junto uma bela chacoalhada na vida cotidiana. O retrato do cinema americano decadente e burocrático e a família comum americana sendo revirada de forma violenta, porém libertária. Mensagens não explícitas, mas evidentes. Cenário contracultural sendo bem representado.

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O lendário Boris Karloff!

É importante dizer que a referência que faz ao antigo e velho cinema apresenta claro respeito à Hollywood, que inclusive o formou através de seus ídolos Ford, Hawks e Hitchcock. Isto fica claro quando Karloff se sai melhor ao final da história do que o jovem, o que pode representar que é preciso mudar, mas não se pode esquecer o passado, onde estão as referências para o presente e futuro.

Dois anos depois, a sua obra prima…

Chegou o momento de Bogdanovich marcar sua história no cinema com a pérola A Última Sessão de Cinema. Este sim um retrato direto e importante do cinema para o próprio povo americano, sendo reconhecido pela crítica com indicações ao Oscar de 1972 e bilheteria rentável.

A ambientação da história, baseada no livro homônimo de Larry McMurtry, se faz em uma pequena cidade do Texas nos anos 1950. Estão lá jovens que procuram alternativas para se divertir em uma melancólica cidade que não tem muito a oferecer, enquanto adultos defendem seus valores, pelo menos de forma aparente.

A narrativa mostra o embate destas duas gerações através de relacionamentos infelizes, desejos reprimidos e triângulos amorosos em um lugar que a vida não parece ter sentido. O foco da história de McMurtry e roteiro de Bogdanovich é explorar abertamente os anseios e desejos dos jovens americanos contra o moralismo dos mais velhos, que percebem os valores, sempre defendidos por gerações, sendo transformados.

Se Bonnie & Clyde com Warren Beatty, A Primeira Noite de um Homem com Dustin Hoffman, ambos de 1967, e Sem Destino de 1969, são considerados por muitos os responsáveis pela abertura da Nova Hollywood, este filme de Peter Bogdanovich talvez seja um dos mais representativos. Os relacionamentos falidos, a crítica à cultura da época pós-guerra, a quebra de valores, o pessimismo e a busca por um sentido na vida ligam esta obra diretamente ao que cravava o movimento contracultural.

Para completar o retrato fiel do interior americano realizado pelo diretor, o filme é rodado em uma belíssima fotografia preto e branca, mesmo que na época praticamente todas as produções fossem realizadas em cores.

E depois?

Indicado a diversos prêmios do Oscar, Bogdanovich foi elevado ao patamar dos principais cineastas americanos naquele momento. Emplacou ainda dois filmes elogiados por critica e público, mesmo fora do “padrão”, com as comédias Essa Pequena é uma Parada de 1972 e Lua de Papel de 1973.

Nesta época, Coppola com O Poderoso Chefão I e II e William Friedkin com O Exorcista, conduziam muito bem suas carreiras nos anos seguintes, juntamente com Woody Allen, Robert Altman, Martin Scorsese, Steven Spielberg, George Lucas, entre outros. Com Peter Bogdanovich aconteceu o contrário. Após dirigir Daisy Miller em 1974, ele nunca voltou a ter o sucesso que teve com os filmes anteriores. De promessa clara do cinema e um dos pioneiros desta nova geração de cineastas americanos, o diretor realizou filmes modestos e sem grande expressão no cinema, ficando esquecido pelo público e crítica.

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A visão única de Bogdanovich em Daisy Miller!

E o famoso “legado”? Teve?

Entre os inúmeros diretores que buscavam autonomia para realizar filmes sem o controle quase ditatorial dos grandes estúdios, Peter Bogdanovich também conseguiu marcar história principalmente com suas duas primeiras realizações, Na Mira da Morte e A Última Sessão de Cinema.

Enquanto o primeiro representou o que um jovem diretor criativo conseguiria realizar em pouco tempo e com baixo orçamento, o segundo demonstrou seu amadurecimento e aprimoramento técnico através de um filme melhor produzido e mais maduro. Contundente mensagem à vida americana moralista com um recado direto, crítico e pessimista.

É importante mencionar novamente a contribuição de Polly Platt, esposa de Bogdanovich em seus anos mais exitosos no cinema. Com o seu suporte, o cineasta realizou estes dois filmes e curiosamente sua queda de rendimento, se assim é possível dizer, ocorreu poucos anos depois da separação.

A verdade é que com este começo avassalador no cinema, muito se esperava deste cidadão tão apaixonado pela sétima arte, mas seus filmes posteriores não mais representaram a visão crítica que trazia. Curiosamente, isso também aconteceu com a Nova Hollywood que teve o começo de seu fim em meados dos anos 1970 com o retorno de grandes produções. Ou seja, ambos tiveram começo, meio e “fim” simbólicos nesta época. Isto pode até ser uma coincidência interessante e assim deixa Peter Bogdanovich ainda mais representativo para esta fase do cinema americano…

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