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O Mundo Fora Do Lugar – Uma mistura ineficaz de drama e suspense!

O Mundo Fora Do Lugar não tem intensidade dramática

Fazer uma viagem de volta ao passado é algo sempre doloroso. Geralmente, ao realizá-la, nos deparamos com fatos, pessoas e situações que, por trazerem más lembranças ou uma sensação de incompletude (na história de cada um, muitos acontecimentos terminam sem que haja um ponto final para eles) não gostaríamos de revisitar. No entanto, pior do que isso é descobrir eventos que desconhecíamos por completo e que foram importantes no desenvolvimento de nossas biografias pessoais. Esse último caso é o tipo de jornada que O Mundo Fora Do Lugar (Die Abhandene Welt) tenta propor aos seus personagens.

O alemão O Mundo Fora do Lugar mistura drama e suspense.

O Mundo Fora do Lugar

Escrito e dirigido por Margarethe von Trotta, o filme tem como protagonista a artista e organizadora de casamentos Sophie (Katja Riemann). Depois de ser informada por Paul, o seu pai (Matthias Habich), que há uma cantora de ópera (Barbara Sukowa) trabalhando em Nova York que é idêntica à sua mãe falecida há um ano, ela parte numa viagem para conhecê-la e tentar descobrir se há alguma relação entre as duas. Chegando lá, ela conhece o charmoso Philip (Robert Seeliger) e começa a investigar o passado da própria mãe e da mulher misteriosa. Contudo, ela nem imagina que as descobertas que lhe esperam irão atordoá-la.

Dedicando as cenas iniciais do filme à apresentação da protagonista, Margarethe Von Trotta constrói um primeiro ato consistente. Deixando claro para o espectador algumas características da personagem, a diretora e roteirista também consegue estabelecer com eficiência a natureza da relação de Sophie com o pai. Além disso, a diretora encerra o primeiro ato com um elegante rack focus (mudança de foco dentro da mesma tomada) que nos apresenta ao personagem Philip, e uma comovente cena que mostra Sophie na frente de um espelho.

No entanto, no restante da narrativa, tem-se a impressão de que a cineasta não soube o que fazer com o material que tinha em mãos. Construindo uma narrativa que parece nunca se decidir entre o suspense e o drama, ela não consegue acertar na composição de nenhum dos dois gêneros. No que diz respeito aos momentos mais apreensivos, até considerei a possibilidade de que, ao longo da projeção, a diretora iria se aproveitar da presença de uma cantora de ópera na história para, através de uma montagem simultânea ou de composições operísticas na trilha, reforçar o suspense (como Hitchcock fez em O Homem Que Sabia Demais). Mas tudo o que ela faz para criar tensão é se restringir a aumentar o volume dos pobres trechos de música compostos por Sven Rossenbach e Florian van Volxem.

O alemão O Mundo Fora do Lugar mistura drama e suspense.

Já o lado dramático, por sua vez, nunca decola completamente. Enquanto parte desse fracasso deve-se à constatação de que as informações fornecidas pelo roteiro sobre os personagens pouco ou nada contribuem para o nosso envolvimento emocional com eles, a participação curta ou antipatia de alguns deles (como Caterina, a cantora de ópera) nos afastam cada vez mais do conteúdo daquilo que está sendo narrado. Porém, o maior crime que Margarethe comete como roteirista é o de criar uma antecipação em cima da revelação dos mistérios (há, inclusive, a sensação de que talvez haja um elemento sobrenatural por detrás) para entregar respostas sem muita carga dramática e que em momento algum justificam o engajamento do público na história.

Isso porque, apesar de os problemas mencionados acima contribuírem negativamente com a nossa imersão na trama, o mistério criado ao redor da identidade de Caterina é interessante o suficiente para fazer com que acompanhemos os desdobramentos da narrativa. Portanto, releva-se os defeitos da história em troca de uma solução que não só satisfaça a curiosidade natural como surpreenda o espectador acostumado a esse tipo de filme. Mas, infelizmente, não é isso o que acontece. Previsíveis, as soluções oferecidas pelo roteiro de Margarethe são banalmente desenvolvidas e não conseguem ressoar dramaticamente. Ao final, a sensação é de que embarcamos em uma jornada que em instante algum se revelou compensadora.

Um filme tecnicamente competente

No entanto, visualmente, o filme consegue se sair melhor. Embora a diretora tenha concebido uma cena de pesadelo que, na sua tentativa de imitar as passagens oníricas de Ingmar Bergman, acabou por soar mais como sátira do que como uma homenagem, no restante do tempo, ela e o diretor de fotografia Axel Block, investem corretamente numa paleta de cores escuras (há muito marrom, preto e cinza) e iluminação com contraste baixo, o que faz com que os personagens tenham partes de seu corpo parcialmente inseridos nas sombras.Como a história gira em torno de segredos do passado que vêm à tona, essas escolhas são perfeitamente justificadas. Quem também faz um bom trabalho é a figurinista Frauke Firl, que, para ressaltar o envolvimento emocional dos personagens com o próprio passado, coloca peças de roupa vermelhas no meio dos tons mais escurecidos.

O alemão O Mundo Fora do Lugar mistura drama e suspense.

Por fim, o elencode O Mundo Fora do Lugar também realiza um bom trabalho, mesmo encarnando personagens mal construídos. Katja Riemann usa do seu charme e carisma para funcionar como os olhos do público ao longo da narrativa; Matthias Habich comove como um sujeito que, lutando contra o próprio passado e as falhas de sua memória, anseia por reencontrar o amor de sua vida; e Robert Seeliger, embora interprete um personagem descartável, é charmoso o suficiente para não transformar a sua participação em algo supérfluo. O único ponto negativo fica por conta da atuação de Barbara Sukowa, que confunde a intrepidez de sua personagem com antipatia e frieza.

Tecnicamente competente, mas sem intensidade dramática e com problemas na construção dos momentos de suspense, O Mundo Fora Do Lugar engaja o espectador unicamente por causa de seu mistério, mas não tem a capacidade de solucioná-lo de uma maneira com que ele termine satisfeito com aquilo que acabou de assistir. Para o leitor que gosta do cinema alemão, sugiro que depois de ver este filme, assista aos recentes Toni Erdmann , que aborda o relacionamento entre um pai e uma filha, e 13 Minutos, um thriller sobre a Segunda Guerra Mundial, para ver como, respectivamente, o drama e o suspense podem ser muito melhor trabalhados dentro da Sétima Arte.

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