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Neve Negra – Darín e Sbaraglia são irmãos em um suspense irregular!

Neve Negra mistura diferentes gêneros

A família é um tema artístico inesgotável. O núcleo relacional entre parentes oferece ao artista um leque infindável de assuntos, abordagens e tratamentos através de diferentes gêneros narrativos. No caso desta última opção, as possibilidades são enormes e passam por histórias de comédia, drama, fantasia, suspense, terror etc. Sendo assim, nada mais natural que um artista, no campo do Cinema, flerte com atmosferas distintas. E é justamente isso que faz Martin Hodara em seu segundo longa metragem, Neve Negra (Nieve Negra), no qual drama e suspense andam lado a lado, porém, com resultados nem sempre satisfatórios.

Crítica de Neve Negra

Neve Negra

Escrito por Leonel D’Agostino e pelo próprio diretor, o roteiro tem início no momento em que Marcos (Leonardo Sbaraglia, de No Fim do Túnel O Silêncio do Céu) e a sua esposa, a jovem Laura (a talentosa Laia Costa), viajam até a residência de Salvador (Ricardo Darín, visto recentemente em Kóblic), irmão mais velho de Leonardo, para convencê-lo a vender o chalé da família para uma empresa interessada no terreno. No entanto, durante os dias em que ficam lá, traumas familiares e um segredo do passado fazem com que as negociações não evoluam e a relação entre os irmãos seja extremamente problemática.

Ambientado na Patagônia, o filme faz da sua locação um de seus maiores méritos. Martín Hodara, muito habilmente, realiza um exercício de estilo no qual a história se desenrola em um único lugar, sem que isso se torne uma limitação da linguagem ou história. Satisfatoriamente, toda a narrativa se concentra nas interações que ocorrem dentro do chalé ou nas redondezas. Filmes como 12 Homens e uma SentençaO Enigma de Outro Mundo (tema de um Formiga Na Tela) e A Morte e a Donzela vêm rapidamente à mente. E o fato de que, nesse quesito, o longa não faça feio ao lado dos títulos mencionados depõe positivamente a seu favor.

Além disso, nas artes, a neve sempre foi um símbolo poderoso do Tempo. Os rios congelados, os flocos que caem dos céus e a massa branca que cobre os chãos representam efetivamente os efeitos causados pelo tic tac do relógio. Em uma história na qual a relação entre os personagens é quase sempre mediada por acontecimentos pretéritos e o passado e o presente se misturam de uma maneira indefinida, faz sentido que a trama se desenvolva em um local onde as suas próprias particularidades encontrem reflexo (a opção do figurino de vestir os personagens com roupas escuras – representando os elementos negativos de suas personalidades – cria um rico contraste com o branco angelical das paisagens).

Crítica de Neve Negra

Aliás, no que diz respeito à relação promíscua entre passado e presente, é importante ressaltar o trabalho realizado por Martín e o seu diretor de fotografia, Arnau Valls Colomer. Como a narrativa é construída em cima do momento atual, flashbacks e pesadelos, os dois poderiam facilmente deixar as transições entre esses diferentes tempos nas mãos do montador, dando à história uma aparência mais genérica. Porém, criativamente e em mais de um momento, a dupla cria longos e intrincados planos nos quais os personagens visitam o próprio passado em uma única tomada, sem truques de edição ou construções digitais. Tudo é feito manualmente, com a equipe mudando a iluminação e os objetos cênicos por trás das câmeras enquanto a cena ocorre.

Algo que também merece ser destacado é a forma com que o roteiro de Hodara e D’Agostino brinca com as identidades tanto do protagonista quanto do vilão. No começo da história, o público sente saber quais são os personagens bons e ruins. Porém, ao passo que a trama evolui, essas noções começam a se confundir, e o espectador se vê perdido, não sabendo em quem confiar. Todos parecem ter a sua parcela de culpa e inocência. E é verossímil que assim seja, afinal de contas, recorrer aos arquétipos ao invés de construir pessoas reais não é condizente com a proposta dramática do longa.

Os deslizes de Neve Negra

No entanto, esses méritos precisam duelar constantemente com os deslizes cometidos principalmente durante a escrita do roteiro. Devido ao fato de que estão contando uma história repleta de ramificações e conflitos, para que isso surgisse em todo o seu potencial, Hodara e D’Agostino deviam ter alongado o segundo ato. Do jeito que está, com uma metragem de 90 minutos e na qual, praticamente, cada ato corresponde à meia hora de filme, a segunda parte da história acaba sendo abordada levianamente. Assim, as situações e o dramas são resolvidos de uma maneira apressada e insatisfatória.

Crítica de Neve Negra

Já o maior deslize fica por conta mesmo da mistura de drama e suspense. Enquanto a trama é construída, essa junção de dois gêneros distintos é bem sucedida. Ao mesmo tempo que é criada uma empatia entre os personagens e o público (algo que também se deve ao carisma e talento dos atores), há uma sensação inquietante de que algo está errado. Porém, isso termina por gerar nos roteiristas a falsa necessidade de finalizar a história com um plot twist. E é aí que o roteiro desanda, pois, além de ser desnecessária, a reviravolta final se mostra forçada (seria preciso uma série de ações para que as coisas acontecessem daquele jeito).

Trabalhar com diferentes gêneros cinematográficos em uma única história nunca é uma tarefa fácil. Cada um deles possui as suas convenções e nem sempre estas coadunam perfeitamente, como o final de Neve Negra deixa bastante claro. Porém, vale lembrar que ainda é o segundo longa de um diretor jovem que mostra ter talento e boas ideias. Elementos positivos e negativos se antagonizam em um filme no qual é possível considerar que as qualidades se sobrepõem aos defeitos.

(Abaixo do trailer, você confere a entrevista com Martín Hodara)

Comentários de Martín Hodara

Logo após a cabine de imprensa do longa Neve Negra, o Formiga Elétrica, a convite da Paris Filmes, pôde entrevistar o diretor Martín Hodara, que esteve no país para divulgar o filme. Partes do que o cineasta disse sobre alguns assuntos podem ser conferidas pelo leitor logo abaixo:

Sobre o visual do filme…

Martín Hodara: A intenção era contar a história pelo visual, não recorrendo a muitos diálogos. Desejávamos que as informações fossem transmitidas através de imagens. Para isso, empregamos elementos visuais, como livros, fotos e outras coisas. A neve também foi algo muito importante. Nós a usamos como uma representação natural do elo existente entre o passado e o presente.

Entrevista com Martín Hodara, diretor de Neve Negra

 

Sobre a junção dos tempos pretéritos e atuais…

MH: Costumo dizer que as nossas lembranças não surgem abruptamente em nossas vidas. Não paramos tudo para lembrar de algo que aconteceu na infância ou em outra época. As memórias costumam fazer parte de uma construção temporal em que diferentes tempos estão unidos. E o meu objetivo era indicar essa sutil transição da maneira mais leve possível. Por isso é que concebemos planos longos nos quais o passado e o passado se misturam e se confundem. Aliás, considero esse aspecto o mais interessante do filme.

Sobre as brincadeiras em cima da identidade do protagonista…

MH: Isso foi algo planejado. No começo, o protagonista é Marcos. Depois, é Salvador. No fim, é Laura. Isso me pareceu interessante em um longa de suspense. As coisas mudam e o espectador se vê envolto nos mistérios e segredos.

Entrevista com Martín Hodara, diretor de Neve Negra

 

Sobre as junções de suspense e drama…

MH: A ideia era fazer um drama familiar ou uma espécie de tragédia, mas com a roupagem de um thriller. Sempre considerei esses gêneros unidos. Um é a vestimenta, e o outro o coração. Mas, para que isso ocorresse, precisávamos deixar claro para o espectador que o filme abordava essas diferentes concepções. Não queríamos que o suspense ou o drama surgissem como uma surpresa no meio da história.

Sobre a experiência de trabalhar com os três atores principais…

MH: Há muito tempo, sou amigo de Ricardo Darín. Já trabalhamos juntos antes e gostamos de fazer piada e brincar enquanto filmamos. Acho que isso até assustou Laia Costa um pouco (risos). Ela é uma atriz muito talentosa e que gosta de ensaiar bastante. A mesma coisa vale para o Leonardo Sbaraglia. Os dois amam entrar no papel e tirar o máximo proveito deles.

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