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Mãe Só Há Uma – Poeira nos olhos à la Muylaert!

Mãe Só Há Uma

Não restam dúvidas que Anna Muylaert é um dos nomes mais importantes do cinema brasileiro atualmente. Há menos de um ano, seu Que Horas Ela Volta? atraiu olhares internacionais sobre a produção brasileira ao conquistar prêmios importantes de aura cult  mundo afora, como nos festivais de Sundance, Berlim e Amsterdan.   O filme foi aposta brasileira no Oscar 2016 e é considerado por muitos como um dos melhores filmes brasileiros do ano passado, principalmente por ter arrancado de Regina Casé uma das melhores interpretações de sua carreira. Desde então, apenas crescia a expectativa sobre o trabalho seguinte dessa diretora, sobre a qual caía a responsabilidade de estar sob o holofote da crítica carente de bons produtos culturais.

Mãe Só Há Uma estreia sob este clima de entusiasmo e expectativa. Assim como o predecessor, o novo filme da diretora vem sendo muito bem recebido pela crítica internacional e igualmente vendido como uma obra sensível sobre a dificuldade das relações humanas. Seria uma história delicada contada por uma autora radical em seus pontos de vista, que nos faz questionar sobre a fragilidade dos nossos portos-seguros e das graves consequências de nossas certezas. Mas, assim como Que Horas Ela Volta, Mãe Só Há Uma é filme feito muito mais para boca e ouvidos do que para olhos e coração. Um trabalho muito mais para ser comentado e falado por tupiniquins órfãos do bom cinema nacional do que visto, apreciado e lembrado como de fato um trabalho cinematográfico.

Mãe Só Há Uma

A história gira em torno de Pierre (Naomi Nero), um adolescente típico da classe média paulistana, que não gosta de estudar e adora noitadas regadas a sexo, drogas e rock’n’roll. Sua vida se baseia basicamente em uma rotina de amigos, festas, namoradas e a banda de rock de garagem. Logo, no entanto, a vida do jovem se transforma ao descobrir que a mãe (Dani Nefusi), na verdade, é uma sequestradora que o roubara ainda bebê da família original. Pierre, então, é obrigado a conviver com uma nova realidade. A produção ainda acrescenta um importante ingrediente na salada russa que se torna a vida do rapaz: logo no primeiro take no filme, percebemos a sexualidade ambígua do protagonista, fato que de imediato se revela crucial para o decorrer da narrativa.

Como se percebe, não faltam bons recursos para se contar uma grande história. No entanto, infelizmente e mais uma vez, essas excelentes oportunidades são tristemente desperdiçadas e desconstruídas na forma de poeira nos olhos da plateia, disfarçando um filme essencialmente ruim com uma roupagem de intelectualidade. Se Que Horas Ela Volta? afundava no ‘politiquismo’ exacerbado, que muito mais servia como bandeira do posicionamento político da diretora – e seu público – do que uma obra de arte à altura da sensibilidade a que se propunha, Mãe Só Há Uma tem ainda novos agravantes que pioram a sensação de se assistir mais uma grande chance sufocada pela vaidade intelectual de uma diretora.

Mãe Só Há Uma

Mais uma vez, Muylaert pesa a mão no julgamento moral dos personagens, que em pouco tempo se revelam instrumentos do viés ideológico dela. Como no filme anterior, a sensibilidade humana do enredo perde força para a opinião política. Agora não é mais a elite branca assustada com a escalada do pobre na pirâmide econômica, mas a tradicional família brasileira de classe média assustada com o questionamento de seus valores que está no pano de fundo da obra. Apesar dos esforços de um elenco primoroso, a complexidade das situações não se revela em profundidade e a produção raramente passa da superfície narrativa, apostando mais no choque e na comicidade para cativar o público do que aprofundar a psicologia dos personagens, peça chave para a proposta do longa.  A história muito promete em relação a acontecimentos e exploração íntima das situações, mas pouco entrega, frustrando, pra não dizer irritando, parte do público que não se engana com firulas de falso conteúdo. A sexualidade do rapaz, apresentada a princípio como possível conflito interno e depois como instrumento de rebeldia, ou como explosão de enfrentamento e protesto contra o mundo que não controla, em poucos diálogos mostra que tem objetivos bem menos dignos de reflexão.

Mãe Só Há Uma

Além das boas deixas do roteiro, o filme tem qualidades que o diferenciariam de seus pares brasileiros do momento. Matheus Nachtergaele está, mais uma vez, fenomenal no papel do pai à moda antiga, que não sabe como lidar com a nova realidade de sua família. Dani Nefusi está impagável e irreconhecível ao interpretar as duas mães de Pierre, num jogo de cena que poderia ser um deleite ao espectador em um roteiro mais bem desenvolvido. Fotografia e trilha sonora também são um evento à parte. Pierre, no entanto, apesar de ser um personagem psicológica e moralmente complexo, é interpretado por um robótico Naomi Nero, em seu primeiro papel de destaque, mérito muito mais do tio, o ator global Alexandre Nero, do que de suas qualidades profissionais. Passagens importantes, como os embates entre pai e filho no quarto final do longa, ficam presas entre as gags visuais e o drama confuso.

Anna Muylaert é uma boa profissional. Muitos cresceram assistindo a produções na televisão com a assinatura dela no roteiro ou direção, como os infantis Mundo da Lua (1991), Castelo Ra-Tim-Bum (1994) e Disney Club (1998). Como diretora, assinou Durval Discos (2002) uma pequena pérola da cinematografia brasileira recente, esta sim uma história simples, mas sensível e tocante com viés político inexpressivo, se é que existe ali. Não se sabe se pelos desdobramentos econômicos e políticos do Brasil, ou apenas pelos caminhos profissionais que escolhera, Muylaert tem usado o próprio talento contra si, desperdiçando excelentes oportunidades de subir na evolução criativa no nosso cinema em razão de mensagens de pano de fundo, que não se contentam em ficar no background e pulam para o protagonismo. No próximo ano,  a diretora resolver se concentrar em contar uma boa história e dar menos opiniões morais e políticas, aí sim, com certeza, teremos uma nova joia do cinema nacional.

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