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Lion: Uma Jornada Para Casa – Inconstante, intimista e poderoso!

Lion: Uma Jornada Para Casa apresenta atos de qualidade distintas

Saroo (Sunny Pawar e, posteriormente, Dev Patel) é um garoto de cinco anos de idade que se perdeu do irmão mais velho, Guddu (Abhishek Bharate), na estação de trem de uma das cidades mais pobres da Índia. Percorrendo os vagões e arredores à procura dele, Saroo acaba indo parar em Calcutá. Lá, ele se torna uma criança de rua, é encaminhado a um orfanato e, por fim, é adotado por um casal australiano. 25 anos depois, quando está começando a estabelecer os seus objetivos pessoais, ele decide se reencontrar com a mãe e os irmãos biológicos.

Lion: Uma Jornada Para Casa

Lion: Uma Jornada Para Casa

Essa é a história real narrada em Uma Jornada Para Casa, livro autobiográfico (escrito pelo próprio Saroo Brierley) que serviu de fonte para o roteiro adaptado de Lion: Uma Jornada Para Casa (Lion). Aparecendo timidamente em alguns festivais ao redor do mundo, o filme foi repercutindo aos poucos entre os críticos e o público e acabou se tornando um nome constantemente presente em listas de melhores do ano e nas principais categorias de premiações como o Globo de Ouro, Oscar, SAG Awards e outros. Desde Quem Quer Ser Um Milionário? não havia um filme com uma temática envolvendo a realidade da Índia que tivesse chamado tanta atenção das pessoas. Mas será que o filme merece toda essa repercussão?

Escrito por Luke Davies e dirigido por Garth Davis (estreando em longas de ficção), Lion: Uma Jornada Para Casa começa de maneira arrebatadora. O primeiro ato é estendido e dedicado inteiramente à infância de Saroo. Inicialmente, é mostrado ao público a situação miserável da família. Depois, a narrativa é concentrada nas peripécias enfrentadas pelo jovem protagonista, que tem de lutar pela própria vida enquanto todos ao ser redor querem lhe fazer mal. E termina com o processo de adoção, no qual Saroo se muda para a Austrália e é criado por um casal de pais afáveis.

Lion: Uma Jornada Para Casa

Essa primeira parte é construída lenta e calmamente. Garth Davis já inicia o filme com uma cena poética que estabelece com propriedade o tom fabuloso que costuma caracterizar jornadas trilhadas por crianças. E, ao lado de Alexandre De Francheschi, o montador, Davis construirá, no primeiro ato, um ritmo contemplativo que, auxiliado pela cinematografia do ótimo Greig Fraser (responsável também pela excelente fotografia de Rogue One), será o responsável por estabelecer a realidade do personagem dentro daquele mundo melancólico que, ao passo que sucumbe sob a miséria, guarda uma mágica que só pode ser vista através dos olhos de uma criança. Nesse sentido, a atuação do adorável Sunny Pawar é essencial para fazer com que embarquemos na jornada juntamente com o personagem.

No entanto, se no momento em que o estamos acompanhando, o primeiro ato de Lion: Uma Jornada Para Casa e a sua longa duração nos envolve por causa da paciência vista na hora de desenvolver os personagens e a relação emocional que eles mantêm com as paisagens e os ambientes, ao longo do segundo ato, ele se transforma em uma das maiores vulnerabilidade do filme, uma vez que a sua extensão é parcialmente responsável pela velocidade desenfreada com que a vida adulta de Saroo tenta ser estabelecida e apresentada ao espectador. Mostrando a relação do protagonista com os pais adotivos, o meio-irmão (o casal também adota uma outra criança), os amigos e a namorada, toda essa parte é apressada, mal trabalhada e falha em dar seguimento ao envolvimento emocional do espectador com a obra.

Lion: Uma Jornada Para Casa

Outro motivo igualmente responsável pelo fracasso do segundo ato foi a necessidade sentida pelo roteirista de incluir na história quase todas as situações enfrentadas por Saroo na vida real. Acontecimentos que foram realmente importantes para o verdadeiro personagem não se tornam, por causa disso, necessariamente indispensáveis à trama. Um exemplo disso é o namoro entre o protagonista e Lucy (Rooney Mara). Obviamente, essa relação foi importante na vida real, porém, no filme, ela surge abruptamente e só serve para mostrar, posteriormente, como a obsessão de Saroo por encontrar a família biológica acabou colocando-o numa situação em que tudo e todos que estavam próximos foram afastados. A mesma coisa pode ser dita sobre a relação dele com o meio-irmão, que, além de criar uma analogia frágil do relacionamento de Saroo com Guddu, é tão descartável que poderia ter sido deixada de lado na montagem, sem fazer falta alguma.

O terceiro ato se recupera dos erros cometidos no segundo

Porém, mesmo com todos os erros cometidos no segundo ato, a excelência vista na primeira parte da história ainda mantém uma chama acesa, que é fortalecida pela retomada realizada no terceiro ato. Nos minutos finais, o público acompanha os últimos esforços de Saroo para encontrar a sua família. Embora não seja tão trabalhada quanto o primeiro ato, essa parte retoma um pouco da lógica usada no começo, mostrando o protagonista caminhando pela ruas empoeiradas e pobres da Índia, vendo as coisas como se fosse a primeira vez, como um adulto jogado de volta à infância que lhe foi indevidamente roubada.

Lion: Uma Jornada Para Casa

Ancorada pela boa atuação de Dev Patel (você pode conferi-lo também em O Homem Que Viu o Infinito), a última parte é encerrada com vídeos reais que mostram o verdadeiro Saroo revisitando o país natal e os seus moradores. Se apenas os minutos finais seriam suficientes para fazer o espectador sair da sala profundamente comovido, as imagens reais intensificam a emoção. Além disso, nos créditos finais, sobem letreiros explicando o porquê do título “Lion” e o seu verdadeiro significado, criando um poderoso símbolo verbal, podendo ser usado para explicar poeticamente a jornada do protagonista.

Com boas atuações também do elenco de apoio (Nicole Kidman – que esteve recentemente em O Mestre Dos Gênios  –  tem a sua melhor atuação em anos), Lion: Uma Jornada Para Casa é uma das boas surpresas desta época de premiações. E, mesmo apresentando algumas falhas, ainda assim consegue manter o espectador interessado, entregando a ele uma obra inconstante nos seus momentos mais vulneráveis, mas poderosíssima nos instantes mais intimistas e dramáticos.

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