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Lady Macbeth – William Shakespeare ficaria orgulhoso!

Lady Macbeth é a adaptação de um conto do escritor Nikolai Leskov

Usar a arte cinematográfica para fazer crítica social é uma tarefa difícil. O que os diretores e roteiristas parecem não entender é que explicitar um comentário não atinge o intelecto nem as emoções do público. O espectador tem contato com a realidade fria e caótica todos os dias. No Cinema, o que o comove são as sutilizas e a complexidade que embalam o conteúdo. Resumidamente, se uma obra não for técnica, narrativa e esteticamente desafiadora, a sua mensagem é completamente desperdiçada, por mais relevante que seja. Um filme que entende isso perfeitamente é Lady Macbeth (Idem).

Crítica de Lady Macbeth

Lady Macbeth

Adaptado de um conto do escritor russo Nikolai Leskov intitulado Lady Macbeth do Distrito de Mtzensk, o roteiro escrito pela estreante Alice Birch conta a história de Katherine (Florence Pugh). Obrigada a casar com um comerciante (Paul Hilton) entediante e aparentemente assexuado, ela vai se apagando aos poucos ao ritmo complacente do monótono cotidiano, até o dia em que se envolve com Sebastian (Cosmo Jarvis), um dos funcionários que trabalham na casa. Desse momento em diante, uma série de desentendimentos e consequências caminham de mãos dadas rumo a um final catártico e violento.

As críticas sociais de Lady Macbeth são evidentes. Não é preciso mergulhar profundamente na história para perceber que Alice Birch e William Oldroyd, o diretor, estão interessados em criticar a escravidão e o papel subalterno que era relegado às mulheres nas sociedades mais patriarcais. No entanto, o filme funciona perfeitamente porque, uma vez realizadas, essas críticas não são constantemente marteladas na cabeça do espectador, nem se transformam na retórica simplista dos opressores contra os oprimidos. Aliás, é possível dizer que não existem vítimas passivas na história. Em um momento ou outro, todos os personagens tentam enfrentar uma situação ativamente (embora o filme enxergue a escrava interpretada pela atriz Naomi Ackie de uma maneira mais gentil).

Nesse sentido, a narrativa subverte as expectativas a todo momento. No começo, estamos propensos a achar que Katherine é a nossa heroína, uma mulher que supera as provações externas pela força do seu interior. Na direção contrária, consideramos Alexander, o seu marido, um homem repugnante. Porém, quando Sebastian e Agnes (Golda Rosheuvel), uma figura do passado de Alexander, surgem, enfim percebemos que caminhamos em territórios frágeis, e que rotular um ou outro como heróis ou vilões é incerto e altamente injusto.

Crítica de Lady Macbeth

A violência shakespeariana

Sendo assim, não é de se estranhar que a narrativa, construída com sobriedade pelas mãos hábeis de Oldroyd, se torne cada vez mais surpreendente e violenta, o que contribui para a criação de uma atmosfera shakespeariana repleta de tensões, traições, tragédias e violência. Ações que não imaginávamos possíveis de serem feitas por um determinado personagem passam a acontecer em uma velocidade enervante (nesse momento, começam a surgir risos de desconforto), e os raros gestos de bondade e gentileza vêm das maneiras mais imprevistas. Quando a história termina, a sensação que fica é de que foi feito um comentário geral sobre a podridão humana e não sobre a subjugação de um grupo por outro.

E esse é o principal motivo do sucesso de Lady Macbeth, uma vez que, a partir do momento em que as suas críticas sociais atingem o espectador, o filme não insiste em reiterá-las (como o recente Corra!que nada mais é do que a repetição de uma única nota), pois prefere ir pelo caminho da complexidade humana (fugindo, portanto, das falsas sutilezas de Moonlight – Sob a Luz do Luar, por exemplo), enxergando contradições e vilania em todos os lados, não apenas em um ou outro. Jordan Peele e Berry Jenkins poderiam aprender algumas coisas com Alice Birch e William Oldroyd.

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