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João, O Maestro – Uma partitura para as massas!

A novelização da história de João, O Maestro

Todo mito pode ser baseado numa história verdadeira, mas, quando enxergado em si, deve ser reconhecido como algo fantasiado, simbólico, alegórico ou simplesmente idealizado, ainda que trate de personagens históricos. Possuindo algumas dessas concepções, a obra João, O Maestro, de Mauro Lima, compreende-se numa visão novelizada sobre um dos mais importantes artistas brasileiros, mostrando-o não apenas por sua genialidade, mas categorizando-o como um ser inatingível ao ser humano comum.

(Gosta de Cinema brasileiro? Confira também as críticas de Rifle e O Filme da Minha Vida)

João O Maestro

João, O Maestro

Ao citar novelização no subtítulo, não me refiro a todas as novelas em si, de maneira generalizada, mas numa específica parte do formato nacional que busca massificar histórias através de aspectos pontuais e peculiares, seguido por algumas redes televisivas tradicionais, e que são mencionados neste texto.

Dito isso, podemos começar pela escrita de um roteiro exageradamente expositivo e “mastigado” (nos diálogos), em que os personagens mostram-se sob um esforço tremendo da obra em explicar cada acontecimento em sua história, tratando o espectador como se não fosse capaz de interpretar por si só os acontecimentos.

Aliás, esse excesso acaba tornando-se algo que não apenas impede a história de caminhar de maneira natural, mas que também diminui tragicamente as motivações do personagem-título. Percebemos uma ficção que, sustentada por momentos fortes e intensos, deveria, no mínimo, ser melhor pontuada nesses aspectos.

Mesmo com essa didática constante, seria injusto não mencionar a boa construção da linha temporal no roteiro, já que observamos uma mistura interessante entre os diversos presentes e passados de Martins, que vão crescendo e modificando-se gradualmente enquanto percebemos a trajetória do artista. Entretanto, é nítido que sua estrutura funcionaria melhor se aparecesse através de uma poética mais cinematográfica e não tanto televisiva e novelística, pois temos a forte impressão de estarmos assistindo a um capítulo final da novela das nove (ou onze).

João O Maestro

Melodrama mistificado e com pouca emoção real

Quando enxergamos a construção do personagem, também compreendemos uma visão mitológica imposta sobre Martins em diversos momentos, transformando-o quase num ser inatingível e, dessa forma, superficializando o personagem.

A ideia mistificada do protagonista é tão presente que qualquer momento em que ele mostra-se mais próximo de um ser humano comum, ainda que de forma breve, é rapidamente convertido em algo ruim, quase um pecado à sua carreira. Ou seja, é como se ele precisasse manter-se completamente afastado dos hábitos das pessoas normais para desenvolver sua genialidade musical, um argumento não só duvidoso como clichê.

Nessa construção também é notável a atuação dos diversos intérpretes de Martins, composta por quatro atores, ao todo: Davi Campolongo (criança), João Germano (adolescente), Rodrigo Pandolfo (jovem) – de Elis – e Alexandre Nero (adulto) – de Getúlio. Percebe-se que todos eles trazem gestos que direcionam-se à maneira como o maestro se encontra hoje, e mesmo com essas interpretações caminhando a um conjunto mais figurativo do que natural do músico, em si, nota-se a ligação entre os intérpretes através da forma. O que, no geral, demonstra uma licença poética idealizada à história, um tanto forçada em certos momentos, é verdade, mas também contribuindo à criação do mito do artista.

Os aspectos técnicos ligados à fotografia fílmica, no entanto, nos mostram um trabalho mais padronizado ao tipo de história, com uma iluminação cênica atendendo exatamente àquilo que se é esperado e com alguns bons momentos em que percebe-se um detalhe ou outro no recorte da luz – nos momentos-chave do filme. A paleta de cores também é própria à narrativa, contudo utiliza de composições diversificadas durante a trajetória do maestro. Desse modo, em tons pastéis ou dessaturados, a colorização nos traz instantes ligados numa temática histórica e temporalizada, mas de forma bela e orgânica à obra.

João O Maestro

Ainda assim, é estranho perceber que são pouquíssimos os momentos em que a obra imprime-nos algum sentimento verdadeiro (que não esteja artificializado), embora seja um melodrama cinebiográfico. E observando o fato de que causar uma emoção real pode ser compreendido como uma das funções primordiais na arte da música, é altamente contraditório enxergar essa falta de sensações naturais no filme, principalmente numa história que relata diversas reviravoltas e reinvenções de seu personagem-título.

No mais, a impressão final é que João, O Maestro trata-se de uma grande história que merecia um trabalho com melhor uso dos recursos do cinema, sem uma didática excessiva e mostrada de maneira mais natural sobre o seu aspecto biográfico, pois este aparece como um drama superficial. Em contraponto, por estar num formato próprio às grandes massas, é possível que esse retrato de João Carlos Martins seja melhor aceito (comercialmente) do que se fosse realizado em uma visão mais humanizada. Afinal, é comumente difícil aceitar o real quando o mesmo está ao lado de um mito.

Se o leitor me permite, permaneço com a frase de João: “Superação é possuir a disciplina de um atleta e a alma de um poeta.” – nada mais humano do que isso!

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