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O contexto histórico dos filmes de monstros da Universal!

A origem do Cinema e dos gêneros cinematográficos

Desde os seus primórdios, o Cinema é visto, fundamentalmente, como uma forma de entretenimento. Nos anos imediatos à criação do cinematógrafo pelos irmãos Auguste e Louis Lumière (que se deu um 1895), numa época em que a gramática cinematográfica ainda não tinha sido desenvolvida e as imagens captadas se resumiam a registros documentais desprovidos de uma narrativa propriamente dita, os filmes eram exibidos em feiras de variedades como se fossem atrações circenses. Aqueles que se punham a disposição dessa nova experiência não esperavam nada dela senão o espanto e divertimento.

Sendo assim, era só uma questão de tempo até que alguém enxergasse nessa novidade tecnológica uma fonte inesgotável de lucro. E, de fato, isso começa a se delinear no começo do século XX, quando, já na década de 1910, o norte americano William Fox funda a Fox Film Corporation (futura 20th Century Fox).

No entanto, essa inclinação mercadológica só foi possível em razão de pioneiros como James Williamson, George Meliés, Edwin S. Porter, Louis Feuillade, Charles Le Bargy e André Calmettes, que, corajosos como desbravadores de um novo mundo, expandiram o leque de possibilidades narrativas da linguagem e criaram diversos gêneros cinematográficos.

O Cinema de Horror e Expressionismo Alemão

No que diz respeito ao gênero horror, é sabido que, desde a infância do Cinema, vários cineastas usaram os rolos da película para contar histórias de mistério e fantasia. O primeiro filme de horror foi realizado em 1896 e era um curta de 3 minutos chamado A Mansão do Diabo, do diretor George Meliès.

filmes de monstro

George Meliès, o pai do ilusionismo cinematográfico!

Depois disso, outros artistas, como J. Searle Dawley – responsável por Frankenstein, de 1910 -, Henry McRae – o cineasta por trás de O Lobisomem, de 1913 -, e Max Mack – com o seu filme sobre O Médico e o Monstro, cujo título original é Ein Seltsamer Fall -, além do próprio Meliés, realizariam ousadas incursões no gênero.

Porém, não há como negar que foi somente no Expressionismo Alemão que o horror se consolidou. Aquilo que anteriormente era experimentação e flertes com diferentes tipos de narrativa, a partir de 1920, o ano em que Robert Wiene lança o seu O Gabinete do Doutor Caligari, se transformou em obras mais sólidas, nas quais cineastas como F. W. Murnau e Fritz Lang mostravam ter pleno domínio estético, técnico e narrativo (é importante lembrar que a estruturação da linguagem cinematográfica se deve muito aos trabalhos de D.W.Griffith, conforme comentado em nosso vídeo sobre Filmes Centenários).

Entretanto, além dos evidentes méritos artísticos, a grande responsável pela elevação do gênero foi mesmo a Primeira Guerra Mundial.

Primeira Guerra Mundial e a Grande Depressão

Evento histórico de proporções até então jamais vistas, a Primeira Guerra Mundial deixou uma marca indelével nas pessoas da época. Vários países participaram do conflito, e mais de 79 milhões de soldados foram enviados ao front. Desse contingente, dez milhões de jovens não retornaram para casa. O nível de letalidade das armas usadas era inédito na história da humanidade.

Como não poderia deixar de ser, esse horror, que mais parecia um pesadelo do que a própria realidade, acabou sendo refletido nas Artes. Dos movimentos artísticos que surgiram, o Expressionismo Alemão foi um dos principais. As suas figuras monstruosas, fotografia contrastada, ângulos nauseantes e atmosfera sufocante representavam perfeitamente o que tinha acabado de acontecer na Europa e, principalmente, na Alemanha.

No entanto, do ponto de vista norte americano, a Primeira Guerra Mundial representou um passo importante na caminhada do país para se tornar a nação mais poderosa do Mundo. O fato de terem saído como os maiores vencedores do conflito fez com que a sua economia capitalista atingisse um novo patamar, respingando, claramente, na indústria hollywoodiana, que ainda engatinhava.

Todavia, por uma série de motivos – entre estes, além das medidas intervencionistas de Franklin Delano Roosevelt, presidente dos Estados Unidos na época, estava também presente a inexperiência do país em lidar com um boom financeiro tão gigantesco -, o país entrou numa crise econômica devastadora. Inúmeros suicídios começaram a acontecer, e milhões ficaram desempregados da noite para o dia.

Os monstros da Universal!

Mas, ironicamente, foi em grande parte por causa dessa crise, conhecida como Grande Depressão, que o cinema norte americano cresceu astronomicamente. Para todos aqueles que estavam desesperançosos com a realidade do país, os filmes se tornaram um antídoto.

Durante uma ou duas horas, as pessoas iam aos cinemas, sentavam em suas cadeiras, acompanhavam a história atentamente e se esqueciam, mesmo que momentaneamente, dos seus problemas. Além do mais, isso fez com que o público alvo dos estúdios fosse formado: a classe trabalhadora. Desde cedo, Hollywood entendeu que os seus filmes dialogavam diretamente com o povo.

Foi justamente no meio desse furacão de acontecimentos que Carl Laemmle Jr., filho do fundador da Universal e substituto do pai na função de chefe de produção desde 1926, decidiu apostar numa sequência de filmes protagonizados por monstros.

filmes de monstros

O estiloso Carl Laemmle Jr.!

Com uma visão afiada para negócios, noção exata de como uma história deveria ser contada (ele ganhou um Oscar por seu trabalho em Sem Novidades no Front) e beneficiado pela criação dos filmes sonoros, Laemmle Jr. foi extremamente importante na transição da Universal de um estúdio pequeno para um gigante do ramo. E foi nessa ascensão que os longas de monstros lançados no começo da década de 1930 exerceram um papel essencial.

O surgimento dos filmes de monstros da Universal

Apesar de a Universal ter lançado filmes de monstros nos anos 1920, como O Corcunda de Notre-Dâme O Fantasma da Ópera, ambos protagonizados por Lon Chaney, foi realmente na década seguinte que o estúdio se eternizaria como a casa dos monstros mais icônicos da história do Cinema. Um dos principais acertos de Laemmle Jr. foi ter trazido para os Estados Unidos nomes como o de Karl Freund, e confiado em cineastas talentosos como Tod Browning e James Whale, que trouxeram para as obras vários elementos do Expressionismo Alemão.

No entanto, a verdadeira genialidade dos responsáveis iria residir na escolha dos temas. Enquanto alguns dos filmes foram buscar inspiração na literatura de horror do século XIX, como Drácula Frankenstein, ambos lançados em 1931, e adaptados dos textos de Bram Stoker e Mary Shelley, respectivamente, outros buscaram, assim como o a história do Cinema até então, inspiração nos principais acontecimentos da primeira metade do século passado.

O longa A Múmia é claramente baseado nas expedições de Lorde Carnavon e Howard Carter, e no medo de que as várias descobertas geográficas feitas no final do século XIX e começo do século XX pudessem despertar forças malignas; O Homem Invisível, adaptado da obra de H. G. Wells,  versa sobre o temor de que o avanço científico e o seu uso indiscriminado, sem uma ética que o apoie, faça com que o Homem dê vazão aos seus piores impulsos; O Monstro da Lagoa Negra, por sua vez, reflete o receio de que as partes do Mundo mais difíceis de serem acessadas talvez escondam formas desconhecidas de vida.

filmes de monstros

Se tivessem chamado os Power Rangers…

Momento atual

Originando franquias que se estenderiam pelos anos seguintes, esses filmes de monstros foram entrando para a história aos poucos. Embora fossem amados pelo público, eles costumavam não ser bem recepcionados pela crítica especializada.

Somente com o passar do tempo, essa injustiça começou a ser desfeita, e os filmes passaram a representar um dos períodos mais gloriosos do cinema norte americano e do sistema de estúdios. Hoje em dia, é impossível achar alguém que não lhes dê o mérito que merecem. Tanto no quesito técnico, quanto no histórico, eles são extremamente relevantes.

Atualmente, a Universal está fazendo um reboot desses longas. O primeiro deles será A Múmia, estrelado por Tom Cruise, cuja crítica já está no ar. Para aqueles que não conhecem essas obras protagonizadas por gênios como Bela Lugosi e Boris Karloff, fica a dica: este é o momento perfeito para descobri-las. Não só um pedaço do desenvolvimento cronológico do Cinema está contido nelas, como também da nossa história.

Assistir aos filmes de monstros feitos pela Universal nas décadas de 1930, 1940 e 1950 é ter, através de um formato artístico, as belezas e os horrores que caracterizaram a experiência humana na turbulenta metade inicial do século passado.

Confira também nosso ranking dos Monstros da Universal, uma análise do terror de ontem e de hoje e um artigo sobre três versões de A Múmia

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