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Em Busca De Fellini – Desonrando o mestre italiano!

Em Busca De Fellini distorce o cinema de fantasia

Todos os críticos de cinema e cinéfilos possuem o desejo de conhecer pessoalmente cineastas que foram importantes em suas respectivas trajetórias biográficas e lhes indagar sobre os mais diversos assuntos. No caso de Lucy (Ksenia Solo), a protagonista de Em Busca De Fellini (In Search Of Fellini), o seu maior sonho era conversar com o diretor de A Estrada da Vida, Noites de CabíriaOito e Meio e de tantos outros filmes que a comoveram. No entanto, é uma pena que essa história tão empática tenha ficado a cargo de Taron Lexton, um debutante ignorante por completo da fantasia que permeia o cinema do mestre italiano.

Crítica de Em Busca de Fellini.

Em Busca de Fellini

Escrito por Nancy Cartwright (a famosa dubladora de Os Simpsons) e Peter Kjeenas, o roteiro até mostra compreender um pouco mais o estilo felliniano. Ao estabelecer que a ingenuidade da personagem principal decorria de uma formação exageradamente caseira, na qual os filmes de fantasia norte-americanos, como A Felicidade Não Se Compra, exerceram uma forte influência, e que os longas-metragens de Fellini passaram a ter um papel de importância apenas no início da vida adulta, quando ela se viu em situações desconfortáveis, a dupla de roteiristas foi capaz de perceber que, entre essas duas filmografias e fases da vida, há abordagens diferentes do fantástico, do onírico e do sobrenatural.

No filme de Frank Capra, por exemplo, a fantasia está a serviço de um conto natalino sobre superação, persistência e esperança. Claramente, a atmosfera é a de um conto de fadas, mas os dados cruéis da existência não são atenuados, muito menos relativizados. Já nas obras de Fellini, os sonhos e o surrealismo servem para revelar os mecanismos do real, como se a verdadeira engrenagem por trás do nosso dia-a-dia fosse disforme e a bizarrice visual a única maneira de potencializá-la. Nessa espécie de realismo exacerbado, há sempre uma mistura de alegria e repulsa.

Crítica de Em Busca de Fellini.

Adaptadas às exigências da história, essas são as características que o texto de Cartwright e Kjeenas compreende e respeita. É verdade que a narração em off da tia da protagonista (Mary Lynn Rajskub) é completamente desnecessária, a inocência de Lucy beira o risível em alguns momentos – a cena no estúdio pornográfico é de uma inocência inverossímil. Certas situações também não têm propósito dramático, como as festas que a personagem frequenta em Roma. No entanto, tanto as dores da infância e adolescência quanto a descoberta do câncer da mãe (Maria Bello, vista recentemente em Quando As Luzes Se Apagam) e a jornada que se desenrola a partir disso são trabalhadas corretamente pelo roteiro e envoltas pela presença temática e respectiva dos elementos mencionados no parágrafo anterior.

Pobreza visual e inadequação narrativa

Em verdade, o problema começa quando Lexton e a sua equipe tentam transmitir esse conteúdo através de imagens e músicas. Não distinguindo as épocas ou distintas naturezas de cada um dos problemas, o diretor constrói uma lógica visual que, em vez de encontrar variações dentro de si, se repete constantemente. Tudo é filmado da mesma maneira e embalado por uma trilha que, apesar de recorrer a temas famosos compostos por Nino Rota, não consegue se sobressair ou engrandecer uma cena sequer. Do primeiro ao último minuto, o que se vê é a iluminação estourada de Kevin Garrison, os personagens quase sempre à contraluz, predominância de cores fortes e ângulos de câmeras inconvencionais e uma montagem picotada nas cenas mais surreais (as quais recriam filmes de Fellini).

Crítica de Em Busca de Fellini.

Nesse mar de mesmice, até a óbvia comparação entre Lucy e os personagens interpretados por Giuletta Massina se dilui consideravelmente. Para piorar, essas escolhas visuais e sonoras ajudam a criar um universo em que as ações não geram consequências e a realidade nunca adquire o seu verdadeiro peso e relevância (o que é, inegavelmente, um defeito também do roteiro). Diante disso, surge a seguinte questão: de que adianta a fantasia se não há uma verdadeira realidade na qual ela pode exercer um tipo de poder? Invariavelmente, a resposta a essa pergunta não só inutiliza toda a mensagem de Em Busca De Fellini como também afasta todas as intenções dos realizadores de se aproximarem da essência felliniana. Ao término, tudo o que resta é um desserviço ao artista que o filme busca tanto homenagear, mas do qual sabe muito pouco.

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