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A Última Lição – Um drama maniqueísta e superficial!

A Última Lição

A Última Lição

A velhice pode ser considerada uma das maiores injustiças da vida. Como se não bastassem todas as dificuldades, os dramas e as tristezas que acompanham as fases adulta e da meia idade, temos de enfrentar nos últimos anos a decrepitude, a recorrência de inúmeras doenças, o esquecimento e até mesmo a humilhação de não conseguir nos virar sozinhos com as nossas necessidades fisiológicas mais básicas. É a época derradeira na vida de uma pessoa em que quase toda a honra, o orgulho e a auto estima dão lugar aos sentimentos de inutilidade e de que você é para os outros um fardo muito pesado para carregar. A Última Lição (La Dernière Leçon) é exatamente sobre isto: a velhice e a vontade que alguém tem de cometer suicídio a fim de evitar que a própria decadência se transforme em um problema para si mesmo e para aqueles que estão ao redor. No entanto, infelizmente, a obra não consegue fugir do maniqueísmo barato e da superficialidade.

O filme conta a história de uma idosa chamada Madeleine (Marthe Villalonga). Tendo vivido a vida inteira como ativista dos direitos civis, ela surpreende a todos no aniversário de 92 anos ao informar que em breve, devido ao cansaço e às dores da velhice, estará tirando a própria vida. A intenção dela é que os familiares mais próximos possam se preparar emocionalmente para a sua partida. No entanto, inconformados com a decisão da mãe e achando que ela está agindo egoisticamente, Pierre (Antonie Duléry) e Diane (Sandrine Bonnaire) farão de tudo para que Madeleine repense a sua decisão.

Inspirado na vida de uma pessoa real e escrito por Pascale Pouzadoux e Laurent De Bartillat, o roteiro de A Última Lição comete o erro de buscar a todo momento a emoção fácil. Para isso, a dupla de roteiristas investe em cenas manipulativas e artificiais. São momentos que não levam os personagens a lugar algum e foram construídos com o único intuito de provocar o choro no público. A cena que mostra Madeleine realizando um parto num banco de praça é um claro exemplo disso. Além de apelar para a comoção óbvia que o nascimento de uma criança gera nas pessoas, a casualidade do evento, a forma como tudo acontece e a total ausência de consequências que essa situação produz na vida dos personagens deixam claro para o espectador o caráter totalmente manipulativo desse momento. Outra cena em que isso fica evidente é a que mostra Diane dançando com a mãe e imaginado-a jovem. Esse instante não só é meloso como completamente redundante (os vídeos caseiros da infância dos filhos ao lado dos pais já tinham registrado momentos similares).

A Última Lição

Já o arco envolvendo a troca de cartas que Madeleine mantém até os dias de hoje com o primeiro namorado e amor de sua vida é tão desnecessário e mal desenvolvido que a maneira abrupta com que surge em cena só pode ser comparada à velocidade com a qual é abandonada pelas roteiristas, desaparecendo completamente sem deixar resquício algum. Aliás, ainda analisando esse arco, era de se esperar que Diane reagisse negativamente à descoberta de que a grande paixão da mãe não havia sido o homem com quem passou a maior parte da vida, mas um estranho cuja existência ignorava momentos antes. No entanto, ela aceita facilmente e a justificativa que o filme dá para essa aceitação é um encontro totalmente fortuito dela com o enfermeiro da mãe, onde é sugerida uma possível tentação de cometer adultério passando pela sua cabeça, embora isso não fique claro.

Na direção, por sua vez, Pascale Pouzadoux também investe em cenas sentimentalistas para criar as mesmas emoções fáceis. Além disso, essas cenas sofrem em razão da pouca criatividade visual da diretora. Para exibir descontração e felicidade, Pouzadoux compõe momentos rasos e óbvios como o da dança (mencionado acima) e um outro que mostra Diane e Madeleine cantando ao ouvir uma música tocando no rádio. Para demonstrar a liberdade da qual gozam, a diretora foca no rosto das personagens sendo agraciado pelo vento enquanto passeiam de carro, criando uma imagem típica de comerciais de televisão. Algo parecido pode ser dito sobre os dois pesadelos de Diane. Além de não adicionarem nada à trama (Diane já tinha aceitado a escolha da mãe e os pesadelos não a fazem mudar de idéia), eles são construídos de uma maneira muito óbvia e pobre por Pouzadoux (a imagem do fuzilamento é risível). A opção de colocar nos créditos finais a foto da mulher que inspirou a história do filme também não é das mais brilhantes, uma vez que transformam o filme em uma mera propaganda para a eutanásia.

Os únicos momentos em que A Última Lição funciona são aqueles em que o texto de Bartillat e Pouzadoux e a direção desta última param de tentar criar a todo custo uma comoção no público e deixam a história respirar e caminhar com as próprias pernas, fazendo com que o exagero dê lugar à sutileza. Na cena do banho, a forma com que Diane toca e olha a mãe é profundamente poderosa e emotiva (mesmo tendo dificuldades em embarcar na história por causa dos vários erros vistos até esse momento, não pude deixar de ficar extremamente comovido com essa cena); e no último encontro entre Diane e Madeleine, além de apenas acompanhar as personagens e deixar que a emoção do momento viesse naturalmente à tona, Pouzadoux teve a excelente idéia de mostrar o olhar que Diane direciona para a mãe através de uma câmera lenta, o que simboliza a vontade da filha de desacelerar o presente, como se ela quisesse aproveitar cada segundo da despedida. No entanto, momentos sutis e poderosos como esses são raros ao longo de todo o filme.

A Última Lição

Já as duas atrizes principais conseguem manter o excelente nível de atuação do começo ao fim. Ao passo que Sandrine Bonnaire mostra através de olhares e toques todo o amor e carinho que nutre pela mãe, Marthe Villalonga abraça com unhas e dentes o papel da sua vida e entrega uma atuação inesquecível como a mulher independente que, mesmo amando os seus filhos, deseja se manter fiel aos ideais de honra, orgulho e liberdade. A respiração pesada que a veterana atriz mantém durante toda a projeção (e que é ressaltado pelo design de som) é um espetáculo, pois não só é um elemento importante na caracterização da personagem como ajuda a criar uma certa claustrofobia no espectador. O único ponto negativo do elenco fica por conta da atuação de Antoine Duléry, que, prejudicado pelo pouco tempo em cena, precisa exibir o desespero do personagem através de gritos e gestos histéricos.

Com alguns personagens coadjuvantes extremamente caricatos (a empregada negra que cantarola canções tribais da África), este é um filme que sacrifica o desenvolvimento dos próprios personagens e as reflexões que poderiam surgir a partir dos temas que apresenta, entregando um drama maniqueísta repleto de momentos superficiais, desnecessários e manipuladores. Para aqueles que buscam personagens bem trabalhados e uma abordagem mais adulta e intelectual dos assuntos vistos em A Última Lição, recomendo que vejam Mar Adentro (trata da eutanásia), de Alejandro Amenábar, e Amor (fala sobre a velhice), de Michael Haneke. Pois, no filme de Pouzadoux, tudo o que se tem é sentimentalismo barato e emoções fáceis.

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