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O Apartamento – Mais uma obra-prima de Asghar Farhadi!

O Apartamento

O Apartamento

Um lugar completamente escuro. Ouve-se batidas fortes na porta e gritos assustados pedindo às pessoas que moram ali para acordarem. A luz se acende. Vemos um homem (o protagonista) andando com sono e calmamente em direção aos gritos. Ele abre a porta e, ao ver inúmeras pessoas descendo as escadas desesperadamente, ajuda uma criança que estava perdida e diz para a esposa pegar as coisas deles e sair rapidamente do apartamento, pois, de acordo com um dos inquilinos, o prédio estava caindo. Quando estão no meio do caminho, uma outra moradora pede ao homem que ajude o seu filho. Enquanto ele os ajuda, vemos o vidro de uma janela trincar. A tela fica escura e surge o título do filme.

Assim começa O Apartamento (Forushande), a mais nova obra-prima do cineasta iraniano Asghar Farhadi. Além de rapidamente captar a atenção do espectador, essa cena inicial já contém a lógica visual do filme (iluminação natural e câmera na mão), o talento monumental do diretor em estabelecer a geografia de cena, o ponto de partida da história, o casal principal e a temática dos dramas/suspenses urbanos que o cineasta vem desenvolvendo nos últimos treze anos. Além disso, são os minutos inaugurais do filme que, enfim, coloca Asghar Farhadi lado a lado com os gigantes do cinema iraniano, como Jafar Panahi, Mohsen Makhmalbag e o recém falecido Abbas Kiarostami.

À primeira vista, a trama de O Apartamento pode ser vista como uma simples história de vingança. No entanto, ao narrar a jornada do homem (Shahab Hosseini) que faz de tudo para encontrar o sujeito que atacou a sua esposa (Taraneh Alidoosti), Farhadi, assim como fez nos outros filmes que dirigiu, usa a história para realizar um profundo estudo de personagem e abordar assuntos pertinentes à realidade do Irã, como as maneiras com as quais as mulheres são tratadas e o forte sentimento de honra compartilhado pelos homens de lá.

O Apartamento

Tendo como protagonista um sujeito bom e atencioso chamado Emad (a cena inicial, descrita no primeiro parágrafo, já o mostra ajudando duas pessoas), O Apartamento fará com que ele entre em contato com os seus piores demônios. Trabalhando ao mesmo tempo como professor de Ensino Médio e ator de teatro, Emad é um homem comum vivendo sua vida ao lado da mulher, que também é atriz. No entanto, depois de chegar em casa e vê-la desmaiada em razão do ataque de um estranho, Emad entra numa espiral de obsessão e vingança na qual a única resolução é o embate frente a frente com o responsável pelo crime. No processo, ele vai se transformando num homem duro e cego a todo o resto que lhe rodeia.

Brilhantemente simbolizada nas vestimentas do protagonista (vejam como na primeira metade, numa das cenas que se passa na escola, ele está vestindo uma camisa branca por debaixo de um suéter vermelho – o que representa uma alma nobre tomada por um desejo passional de vingança -, e como no conflito final do filme ele está com uma roupa inteiramente preta – sinalizando o enegrecimento moral do personagem), essa jornada de vingança também será trabalhada pelo roteiro de Farhadi como uma questão de honra. Como as mulheres da sociedade iraniana são indevidamente caladas, os seus parceiros masculinos sentem a necessidade de defendê-las a todo custo, mesmo que isso signifique burlar a lei ou sacrificar a própria vida.

Presente desde o início em uma cena que mostra o protagonista dividindo um táxi com uma mulher que não quer sentar ao lado de um homem por temer ser atacada (Farhadi não mostra o rosto dela, sinalizando que essa é a realidade de outras inúmeras mulheres anônimas no Irã), a questão do tratamento dado pelo país à parcela feminina da sociedade iraniana é aprofundada na figura de Rana, a esposa do protagonista. Se recusando a contar para o marido o que de fato aconteceu (por vergonha? Orgulho? Medo? Ou todos esses sentimentos juntos? Difícil dizer), ela fica de mãos atadas vendo Emad se autodestruir cada vez mais na sua jornada de vingança. Até mesmo quando estão sendo defendidas, elas são silenciadas pelos seus homens. De fato, isso está enraizado na cultura do país.

O Apartamento

Exibindo destreza e muita intensidade, Asghar Farhadi não se sai bem apenas na escrita do roteiro. Na direção, o cineasta cria alguns momentos de pura genialidade, como o longo plano que mostra a porta da frente do apartamento do protagonista se abrindo lentamente (o barulho é inteligentemente ressaltado pelo design de som) e que é suficiente para sugerir o ataque que Rana sofreria; ou todo o terceiro ato, onde a movimentação marcada dos atores, a tensão crescente e a dramaticidade do conflito final servem para construir um momento de apreensão cinematograficamente perfeito. Além disso, Farhadi cria uma linda rima visual envolvendo planos similares que mostram os cenários da peça teatral que o casal principal está encenando e os aposentos do apartamento onde parte do filme transcorre.

Também achando tempo para abordar o assunto da censura (a produção de A Morte De Um Caixeiro Viajante sofre uma série de cortes), O Apartamento é mais uma chance de ver o Irã pela ótica de um dos seus maiores intérpretes. Além disso, é o tipo de filme que se mantém relevante com o passar dos anos. Enquanto as situações e os problemas apresentados na história não mudarem, a obra continuará atuante. E se, por ventura, as coisas melhorarem, ainda assim o filme será lembrado pelos seus méritos cinematográficos e narrativos. Nenhum diretor poderia pedir um destino melhor para o seu trabalho do que esse.

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