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O Amor No Divã – Sinceramente, não precisava existir!

O Amor no Divã

O Amor no Divã

De uma maneira geral, as comédias brasileiras lançadas nos cinemas repetem a lógica visual e estrutura narrativa vistas em programas de televisão humorísticos. Para fazer o espectador se sentir familiarizado com o que ele assiste do sofá de casa, os diretores costumam trabalhar com uma razão de aspecto similar a que é usada nesses programas, com roteiristas investindo em tramas episódicas e gags visuais. Como não possui mérito cinematográfico algum, essa abordagem é feita com o único intuito de transformar em sucesso de bilheteria os números de audiência obtidos pelas emissoras. O Amor no Divã é mais uma dessas obras caça-níqueis, porém, entre inúmeros erros, comete o único imperdoável numa comédia: não consegue ser engraçada.

No filme, acompanhamos um casal jovem e outro na terceira idade. Enquanto Miguel (Paulo Vilhena) e Roberta (Fernanda Paes Leme) estão sofrendo com alguns problemas de compatibilidade nos primeiros anos de casamento, José (Daniel Dantas) e Malka (Zezé Polessa) lutam contra o comodismo e a falta de novidades típicos de um relacionamento de três décadas. As duas histórias são contadas paralelamente, até o momento em que, decididos a impedir que a relação desmorone, Miguel e Roberta começam a frequentar uma terapia de casal comandada por ninguém menos que Malka, que, mesmo estando infeliz no casamento, é uma psicológica especializada em problemas matrimoniais.

O Amor no Divã

Adaptado por Juliana Rosenthal K. a partir de uma peça de teatro de sua própria autoria, intitulada Terapia de Casal, o roteiro de O amor no Divã é um desastre completo. Além de falhar miseravelmente nas tentativas de criar humor (ela inventa piadas sem graça como “Não é à toa que Rivotril virou a nova Aspirina” ou  brincadeiras óbvias envolvendo bonecos infláveis e de pano), a roteirista recorre ao cúmulo de repetir tiradas feitas em outros momentos do filme (como aquela dita por Roberta sobre a flacidez das nádegas da mãe de Miguel e o susto que José toma toda vez que Malka entra de surpresa na sala). Ademais, Juliana mostra não ter a menor noção de como trabalhar um personagem, já que ela se mostra satisfeita em definir Roberta como a matemática fria que enxerga o mundo ao seu redor através de estatísticas, Miguel como o Personal Trainer burro e molecão, José como o aposentado entediado e Malka como a sessentona desapontada com o desânimo do marido.

O diretor, por sua vez, se sai tão mal quanto a roteirista. Mostrando uma total ausência de domínio da técnica cinematográfica (para mostrar o consultório de Malka, ele usa establishing shot – tipo de plano que serve para situar o espectador – duas vezes!), Alexandre Reinecke tem a mania irritante de terminar quase todas as cenas aumentando a trilha sonora, como se fosse a sua assinatura ou marca autoral. Ele não só não percebe a péssima qualidade das músicas compostas por Zeca Baleiro, como sente a necessidade de ressaltá-la a todo momento no filme. Ao longo da projeção, vi a minha atenção sendo constantemente desviada da história para a contagem de quantas vezes o diretor aplicou esse “recurso”. Não revelarei o número, mas aviso que é assustador.

O Amor no Divã

Exibindo ter também imensas dificuldades na construção do ritmo (o filme é interrompido diversas vezes por declarações feitas diretamente para a câmera por dois casais de estranhos que, além de repetirem coisas vistas noutros momentos do filme, não são nem um pouco engraçadas), o diretor, ao lado dos montadores Duda Izique e Leon Mosditchian, expõem um completo desconhecimento do que é timing cômico. Isso fica claro desde o início. Percebam como no começo, quando Roberta e José reagem indiferentemente ao jantar feito por seus respectivos parceiros, ao invés de mostrarem simultaneamente a reação dos dois através da tela dividida e conseguir, assim, ressaltar o humor, eles investem numa montagem alternada que deixa o momento previsível e comicamente inócuo. Vejam, também, como na cena em que Miguel e Roberta dizem um para o outro o quão maravilhoso deve ser o casamento de José e Malka, a opção de colocar depois de cada fala imagens que provam justamente o contrário, ou seja, que revelam a verdadeira natureza da vida a dois do casal mais velho, deixa o momento óbvio e repetitivo.

Assim como o diretor e os montadores, quem também revela a falta de timing cômico é Paulo Vilhena. Os momentos em que reage socando o ar e os travesseiros em razão da falta de sexo com a parceira são tão embaraçosos que não pude deixar de sentir vergonha alheia com o mico que o ator estava pagando. E o que falar dos sustos que toma quando ouve a campainha usada por Malka nas sessões de terapia? Eu não sabia se ficava bravo com a falta de talento de Vilhena ou com os responsáveis pelo elenco por ter escalado um ator que não tem a menor condição de protagonizar momentos de comédia.

O Amor no Divã

Já os outros atores não contribuem em nada para a melhora do filme. Já surgindo em cena investindo em um exagero que deixa claro a origem teatral do texto, Fernanda Paes Leme, Zezé Polessa e Daniel Dantas constrangem tanto nos instantes dramáticos quanto nos mais cômicos, uma vez que o único recurso que usam são inflexões na voz, suavizando-a quando a cena é mais densa e aumentando-a sobremaneira quando a cena é mais exagerada. Além disso, um comentário deve ser feito sobre a dicção de Dantas, que é apressada e confusa, tornando quase impossível ouvir o que o ator diz em certos momentos do filme.

O Amor no Divã é um filme sem méritos. Não é engraçado, não entretém, é mal escrito, produzido, dirigido e atuado. Não pode nem ser chamado de cinema. É televisão de péssima qualidade exibida em salas escuras para um público maior. Poderia ser transmitido pela TV sem prejuízo algum. Fere a inteligência e sensibilidade do público. Trocando em miúdos, é uma daquelas obras sem motivo algum para existir.

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