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A Era do Gelo: O Big Bang – Cadê a extinção?

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Desde 2002, os personagens da franquia a Era do Gelo vêm conquistando crianças através das gerações que se renovam nesta quase década e meia de uma infindável gama de lançamentos nos cinemas, além de quase tudo que a mão do mercado pode tocar. Com a A Era do Gelo: O Big Bang (Ice Age: Collision Course), são cinco longas-metragens para o cinema, além de quatro curtas e dois especiais para a TV (incluindo um especial de natal!! – estariam Manny e seus amigos no mesmo universo que Os Flintstones, que também celebravam o natal pré-histórico? Vale a reflexão). Essa turma também está presente em videogames, livros, incontáveis brinquedos e uma quantidade imensurável de todos os tipos de cacarecos que se possa imaginar. Sem dúvida, o sucesso da série, iniciada pelo brasileiro Carlos Saldanha, vai muito além do que pode ser medido pela bilheteria.

O efeito colateral dessa popularidade – que o vampiro do capitalismo insiste em explorar até a última centelha de vitalidade – é a força criativa que parece se esvair a cada novo passo. O que mais se pode inventar para os carismáticos personagens que cativam plateias há tanto tampo? Foi esse desafio que Saldanha dessa vez entregou a Mike Thurmeier e Galen T. Chu. Pela segunda vez, o diretor brasileiro responsável pelos três primeiros episódios resolve ficar apenas na produção e escala dois parceiros presentes em outros momentos da franquia para conduzir a nova versão. O canadense Thurmeier, inclusive, dirigiu Era do Gelo 4, em 2012, ao lado do diretor de animação Steve Martino.

A Era do Gelo: O Big Bang

Como cinema, a franquia nunca foi um primor de qualidade técnica ou mesmo criativa. Porém, os primeiros episódios conseguiram atrair a atenção da critica e do público ao colocar personagens carismáticos e de personalidades de fácil assimilação em meio a um contexto histórico opressivo e poucas vezes retratado em produções infantis: o período glacial. Começou a perder fôlego no terceiro exemplar, quando a narrativa histórica perdeu espaço para aventuras cada vez mais esdruxulas. Novos personagens apareciam às pencas, carregando a responsabilidade de se tornarem os novos queridinhos das prateleiras de lojas de brinquedos e balcões de lanchonete fast food. O pouco cuidado pelo roteiro foi ficando cada vez mais evidente em relação à caracterização forçada de personagens, situação essa que chega ao ápice com este último.

O quinto longa metragem reúne todos os personagens apresentados nos capítulos anteriores. Na história, Manny, Sid e Diego, agora se vêem às voltas com um novo risco de uma grande extinção, agora causada por um meteoro que se aproxima da Terra. A doninha caolha Buck encontra uma profecia talhada em pedra sobre como seria possível evitar a catástrofe, mas para isso precisa da ajuda de todos os amigos. Como sempre, todo o perigo foi involuntariamente causado pelo esquilo Scrat durante suas tentativas de pegar a noz, que agora atinge escala astronômica.

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Dessa forma, o filme presta uma espécie de homenagem a si mesmo com uma série de referências aos acontecimentos anteriores. Todos os 10 personagens principais tem uma personalidade definida e participação equilibrada em cena, sempre ressaltando os traços que os tornaram marcantes. O que poderia ser uma grande vantagem, caso funcionasse bem, acaba se revelando prejuízo narrativo, visto a dificuldade de se dar coesão argumentativa com tantos protagonistas para destacar. Novos animais são acrescentados ao longo do filme, tipos caricatos e totalmente descartáveis que nada acrescentam narrativamente e que aumentam a confusão em cena. O problema piora com o roteiro, que ainda inclui conflitos pessoais e familiares paralelos à trama principal para serem trabalhados entre uma aventura e outra, o que não o exime de emprestar muita enrolação e falta de assunto nos quase 100 minutos de projeção.

Além dos problemas com personagens mal trabalhados, o roteiro é essencialmente fraco do início ao fim. Mesmo em animações, a coerência jamais pode ser abandonada em detrimento da diversão, mesmo ao se contar histórias fantásticas. A coerência narrativa só reforça a qualidade de uma fantasia infantil, como pode ser observada em clássicos contemporâneos do gênero, como Toy Story e Procurando Nemo. Infelizmente, A Era do Gelo: O Big Bang deixa muito a desejar nesse quesito, com problemas estapafúrdios e soluções simplistas e forçadas que não convencem nem a mais bem disposta criança do mundo. O resultado é um filme fraco, repetitivo e sem assunto, que tenta espremer alguma gota de suco de uma fruta já há muito tempo seca.

A Era do Gelo: O Big Bang

Apesar de todos os problemas, vez ou outra, o longa consegue arrancar risadas sinceras com algumas boas tiradas de seus personagens, sobretudo da simpática Vovó Preguiça. Algum carisma e simpatia dos personagens sobrevivem no fim das contas. Mas fica o avis! Algumas piadas de muito mau gosto podem por tudo a perder quando menos se espera.

Na dublagem, novidade para a inclusão do youtuber Whindersson Nunes, no papel de um relutante membro de uma família-vilão. A estratégia de marketing tenta incluir ídolos da molecada viciada em web em animações, não ligando muito para os talentos dramáticos dos ditos-cujos, chamando atenção daquele grupo altamente influenciado pelo computador. No mais, quase todos os dubladores continuam os mesmos, com destaque para Diogo Vilela, que pela milésima vez retorna ao mamute Manny. O maior diferencial na versão brasileira é o titulo, já que o original (Collision Course –  algo como Rota de Colisão) não faz referência à origem do universo,o que causa um contrassenso cronológico em nosso país.

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No momento em que este texto vai ao ar, os adultos que curtem uma boa animação devem mesmo gastar seu dinheiro com Procurando Dory. As crianças devem preferir os brinquedos e demais tranqueiras com a marca do filme do que se divertir no cinema. Espera-se que um eventual e provável fiasco de bilheteria de A Era do Gelo: O Big Bang sirva de alerta para Hollywood que chegou a hora de acabar com o período glacial e dar um grande lote de nozes para Scrat, que poderia finalmente descansar e deixar a todos nós em paz.

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