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Beira-Mar | Boas causas não garantem qualidade!

Beira-Mar

São muito bem-vindas as novas experiências cinematográficas brasileiras, tentando fugir do estereótipo do conflito socioeconômico ou das comédias rasas com atores e estética novelesca. Jovens diretores e atores advindos de uma escola sustentada não mais apenas por referências norte-americanas, mas também por belos trabalhos europeus e sul-americanos, oxigenam a cultura audiovisual do país e alimentam a esperança de que um novo panorama está em desenvolvimento, embora ainda sem grandes resultados comerciais.

A expansão das temáticas é, no entanto, o grande alento para pátrio-cinéfilos que, discreta ou descaradamente, sempre manifestavam, digamos, um desconforto em relação às excelentes produções de nossos hermanos argentinos e chilenos. A busca por um cinema mais introspectivo, contemplativo, focado em sensações, sentimentos e reflexões pessoais nunca totalmente explicitadas deveria ser o trunfo de uma indústria sustentada por patrocínio público e, consequentemente, sem recursos para produções de forte apelo visual. Infelizmente, ainda há um longo caminho a se percorrer. A soma desses ingredientes: diretores jovens e engajados, atores fora do grande circuito e temas delicados estão longe de garantir uma obra de qualidade por si só, embora possam funcionar como uma cortina de fumaça para os defeitos da produção. É nessa situação que se enquadra o supervalorizado Beira-Mar.

Beira-Mar

Primeiro longa metragem dos gaúchos Filipe Matzembacher e Marcio Reolon, Beira-Mar usa da sutileza para tratar de um tema denso. A história é apresentada lentamente, sob a liderança dos protagonistas Martin e Tomaz, respectivamente interpretados pelos, até então, desconhecidos Matheus Almada e Maurício Barcellos. Os dois amigos, mal saídos da adolescência, viajam até o litoral do Rio Grande do Sul para que Martin possa resolver uma questão legal sobre uma propriedade com parentes que ele não conhece. A missão, no entanto, serve apenas como pano de fundo para uma viagem de autoconhecimento que irá mudar para sempre a vida dos dois rapazes. O belo enredo, no entanto, é desperdiçado em filme repleto de altos e baixos, mas que nunca corresponde aos anseios que insinua produzir.

Na busca por reconhecimento, o filme usa diversas referências para contar a história da relação dos dois garotos com a própria sexualidade. A principal delas é o francês Azul é a Cor Mais Quente, de Abdellatif Kechiche, que causou furor mundial em 2013 ao contar a história do amor lésbico entre duas jovens, chegando a ganhar a Palma de Ouro no Festival de Cannes e a se tornar bandeira de ativistas pelos direitos dos homossexuais, além de feministas do mundo inteiro. A produção francesa permeia sutilmente todo o filme brasileiro, da inicial resistência de um dos personagens em aceitar a atração pelo outro, mas que se revela como a aceitação da própria identidade, como na importância que a amizade e a cumplicidade têm nessa difícil fase da vida. Azul… chega a ser abertamente “homenageado” quando Tomaz se deixa ter os cabelos pintados de azul, revelando a relação entre ele e sua correspondente ultramarina, Emma.

Beira Mar

Outro filme que também parece ter servido como referência é o também brasileiro Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, de Daniel Ribeiro, um delicado trabalho sobre o amor de um jovem cego pelo amigo que o integra sem preconceitos. A produção, muito superior ao seu seguidor, ganhou respeito em festivais internacionais, chegando a um plausível sonho de uma indicação ao Oscar de filme estrangeiro em 2015. Nenhum desses dois bons referenciais foi capaz de fazer Beira-Mar um filme minimamente superior, embora lhe emprestem alguns méritos.

Ao contrários dos demais, neste caso temos vários ganchos subaproveitados, que deixam uma sensação de incompletude em quem o assiste. A começar pelas relações sociais entre os personagens, que se aprofunda apenas quando se trata dos dois protagonistas. O pai de Martin poderia ter papel essencial na trama, (obviamente, a intensão era essa) mas acaba engolido por uma narrativa morna focada no afeto dos dois amigos, sendo lembrado em poucos momentos e por um tolo monólogo do rapaz ao telefone, que tenta ser moralizante. A presença feminina na casa de praia não convence como contraponto ao conflito vivido pelos dois rapazes, levando a passagens constrangedoras, no mínimo.

Beira Mar

O roteiro tem pouco conteúdo, se sustentando em pequenos clichês de filmes sobre amigos inseparáveis que se encontram livres dos pais, resumindo a situação em festas, sexo, bebidas, drogas e longas conversas edificantes. Uma série de colagens excessivamente contemplativas, que levam a um clímax previsível, porém forte e delicadamente filmado, mas que perde magnitude devido ao roteiro fraco e pela atuação dos atores principais que, embora esforçada, careceu de certo direcionamento para reforçar a imagem de homens em conflito com os sentimentos. A pouca experiência dos atores também amarra todas as cenas, reprimindo a entrega necessária em momentos-chaves da história.

Beira-Mar, no entanto, tem seus méritos, a começar pela excelente trilha sonora, sob a direção do compositor Felipe Puperi. A música cumpre o papel onde o roteiro deixa a desejar, transmitindo as alegrias e angústias dos personagens com delicadeza. A fotografia também emprega um aspecto muito interessante, emprestando um tom azulado que reforça o frio ambiente e reflete muito mais a tristeza interior do que se espera de um fim de semana de farra na praia.  A direção de cena teve boas sacadas, como esconder a nitidez do rosto do pai opressor de Martin ou ofuscar cenas dolorosas para os sensíveis garotos. Um dos trechos mais curiosos foi a compararação entre uma ingênua partida de videogame com inesperada masturbação em dupla, mas a falta de acuro da direção deixou um dos momentos mais comentados do filme deslocado de um contexto mais colaborativo.

Beira Mar

O resultado de tudo isso é filme plasticamente bonito, mas chato e até constrangedor. Vem angariando status de cult na esteira dos debates nacionais sobre liberdade sexual e contra a opressão contra homossexuais, mas boas causas não fazem necessariamente filmes de qualidade. Beira-Mar ganhou certa projeção internacional após exibição no último Festival de Berlim, e isso pode ser um ingrediente para a renovação da linguagem do cinema nacional, mas é pouco provável que ele consiga quebrar a barreira dos nichos e ir além dos festivais temáticos. Esperamos que o cinema brasileiro continue experimentando, e que mais filmes inventivos comecem a gerar boas discussões. O Brasil só tem a ganhar com amadurecimento dessa nova geração de atores e diretores que está se formando.

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