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Animais Noturnos – A dor do fim de um relacionamento!

Animais Noturnos

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O fim de um relacionamento amoroso é sempre doloroso. Se a decisão de terminar foi mútua, ainda assim existirão momentos em que os parceiros lembrarão um do outro e dos instantes felizes que compartilharam e se perguntarão se fizeram a escolha certa. Se a decisão partiu apenas de uma pessoa, o parceiro “renegado” ficará se perguntando quais foram os motivos que levaram ao término da relação e, por mais que o outro lhe dê uma lista de razões, ele continuará acreditando que tudo é um pretexto e a verdadeira justificativa se mantém escondida. De qualquer maneira, a época passada ao lado de uma pessoa e todos os sentimentos envolvidos ressoam muito além do momento derradeiro em que ambas as partes dão as costas e seguem caminhos diferentes.

Animais Noturnos (Nocturnal Animals), o segundo longa metragem de Tom Ford, é justamente sobre relacionamentos amorosos e a dificuldade de algumas pessoas em aceitar que eles terminam. A protagonista do filme é Susan Morrow (Amy Adams). Trabalhando como curadora de arte em um museu e casada com um executivo (Armie Hammer), ela recebe de Edward (Jake Gyllenhaal), seu ex-marido, uma cópia do seu mais novo romance. Dedicado a ela, o livro conta a história de uma família brutalmente atacada por bandidos em plena estrada no estado do Texas. Chocada com a violência da trama, ela se pergunta por que o ex-marido fez questão que o livro fosse lido por ela, enquanto se lembra dos momentos bons e ruins vividos ao seu lado.

Animais Noturnos

Há três narrativas mostradas alternadamente. Na primeira delas, acompanhamos o dia a dia da protagonista. Infeliz no casamento, o cotidiano dela é abalado pela suspeita de infidelidade do esposo e pela leitura impactante do romance do ex-marido. Na segunda, nos é exibido o conteúdo do livro: um pai (o personagem também é interpretado por Jake Gylenhaal) está viajando de carro com a família quando são atacados por um grupo de homens liderados pelo odioso Ray (Aaron Taylor-Johnson). Depois de ter os filhos e esposa (Isla Fisher) sequestrados, ele parte numa jornada de vingança ao lado de um xerife moribundo (Michael Shannon). E, por fim, a terceira é dedicada aos flashbacks que mostram o relacionamento de Susan com o primeiro marido.

A descrição acima pode dar a impressão de que Animais Noturnos é confuso, no entanto, tanto o roteiro escrito pelo próprio Tom Ford (adaptado de um livro de Austin Wright chamado Tony And Susan) quanto a montagem de Joan Sobel (que havia feito um trabalho similar nos dois Kill Bill) deixam claro para o espectador se é a história do livro, o presente ou o passado da protagonista que é mostrado, o que transforma o filme numa experiência prazerosa e fácil de acompanhar. Além disso, a fotografia de Seamus McGarvey também distingue as três instâncias narrativas através do trabalho sutil com a iluminação e as cores. Se, nas cenas que exibem a história do livro, o ardor com que o protagonista literário persegue os sequestradores é ilustrado pela fotografia calorosa (o que também reflete a alta temperatura do deserto texano onde essas cenas se passam), e, nos flashbacks, o amor e a dor existentes no relacionamento de Susan com o primeiro marido são ilustrados pela iluminação suave repleta de tons quentes, no presente, a tristeza da protagonista é ressaltada pela frieza com que os ambientes que ela habita são fotografados.

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Outros departamentos que também  acompanharão essa lógica de distinção visual são os de maquiagem e figurino. Percebam que, nos flashbacks que mostram o encontro fortuito de Susan com o primeiro marido e o consequente jantar, a protagonista está vestida de preto e quase sem maquiagem. Em outro momento do passado, ao contar para a mãe (Laura Linney) que irá casar com Edward, ela ouve da matriarca que está cometendo um erro do qual eventualmente se arrependerá. As duas discutem, a filha diz à mãe que não se importa com dinheiro (Edward é pobre) e que nunca será como ela, e esta responde dizendo que, no fim, todas as filhas acabam se transformando na própria mãe. Nesta cena, o rosto limpo e as vestimentas escuras de Susan contrastam com o visual chamativo e a maquiagem exagerada da sua genitora. Depois de casar e se separar de Edward justamente pela falta de dinheiro e ambição do marido, aos poucos ela começa a abandonar o visual mais simples e a usar cada vez mais roupas “estilosas” e maquiagem pesada, assim como a mãe. Já no momento presente, como está infeliz no atual casamento e com a vida superficial que leva, Susan pensa a todo instante em seu eu mais jovem e em Edward, na época em que era mais pura. Finalizando essa lógica visual genial, não é à toa que, após marcar um encontro com o ex-marido, para assim reencontrar o próprio passado, ela se olha no espelho e, antes de sair, tira um pouco do batom.

Dirigindo com a segurança de um veterano, tanto as cenas dramáticas quanto os momentos de suspense, em Animais Noturnos, Tom Ford mostra ter amadurecido depois da sua estreia no bom Direito de Amar, de 2009. Mais confiante e empregando a sua experiência no mundo da moda para construir uma estética que está sempre a serviço da história, o diretor, além de conseguir excelentes atuações do talentoso elenco (até o insosso e inexpressivo Aaron Taylon-Johnson tem uma boa performance), compõe um dos momentos mais apreensivos dos últimos anos. Na cena que mostra a família do livro sendo atacada e sequestrada, a tensão construída aos poucos pelo diretor beira o insuportável. Mantendo no início a intenção dos criminosos em segredo e, posteriormente, alongando sobremaneira o desespero das vítimas, o cineasta dá uma aula de decupagem, mise-en-scène e timing dramático. Ademais, Tom Ford também encontra tempo para criar imagens impactantes e lindas rimas visuais. Se o filme já começa impressionando o espectador ao mostrar em câmera lenta mulheres obesas e nuas dançando (refletindo a visão e o mundo interior da protagonista), o cineasta exibe muita sutileza e sensibilidade no emprego de dois close ups lindos e extremamente profundos do olhar de Susan, um no início e outro no final do filme.

Animais Noturnos

Também mais maduro na  função de roteirista, Ford se sai perfeitamente bem na elaboração do texto. Com uma protagonista tridimensional e diferenciando claramente a mentalidade pragmática de Susan  do temperamento mais idealista de Edward, o roteiro, ao adotar a estrutura de flashbacks, permite um aprofundamento no psicológico de Susan, e, ao fazer a opção de narrar os eventos descritos no livro, nos oferece a oportunidade de mergulhar no mundo imaginário de Edward. E é nesse mundo imaginário que reside a genialidade do roteiro. Como só o conhecemos através dos flashbacks, o diretor/roteirista dá ao público a chance de supor certos aspectos de sua personalidade a partir dos personagens criados por ele no romance. Ao passo que é fascinante imaginar que a figura do xerife representa o senso de justiça dele e que o bandido é uma manifestação da violência interna do seu criador, não há como não enxergar na dor sentida pelo protagonista do livro ao ver a mulher e os filhos serem levados embora um reflexo do sofrimento que Edward sentiu ao ser abandonado por Susan (até Isla Fisher é parecida com a Amy Adams). Além disso, é impossível não fazer um paralelo entre a jornada de vingança empreendida contra os criminosos e a escrita do livro como uma tentativa de Edward se vingar de Susan, fazendo-a se sentir mal por tê-lo deixado para trás.

No entanto, embora tenha uma narrativa e um visual ousados, no fim, Animais Noturnos toca profundamente porque, acima de todos os destaques mencionados, é sobre algo simples e comum a todos: a dor de abandonar ou ser abandonado por alguém que amou em determinada época da vida. Enquanto uns acreditam que apenas o tempo curará as feridas, outros buscam maneiras inventivas de expiar a dor, como fazer poesia ou letras de música. O jeito encontrado por Edward foi escrever um livro. E basta ver os eventos narrados no romance para perceber o quanto ele sofreu ao ser abandonado pelo ser amado. Assim como todos nós em algum momento da vida.

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