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A Qualquer Custo – Um thriller razoável e nada mais!

A Qualquer Custo não consegue ser tudo aquilo que pretende

Nos Estados Unidos existe uma tradição às avessas envolvendo assaltos a bancos. Em parte motivada pelas crises econômicas que assolaram o país, como a de 1929, essa tradição passou a ficar famosa nacionalmente na década de 1930 e se estendeu até os dias de hoje, embora, atualmente, esses roubos não chamem tanta atenção quanto costumavam. No entanto, antigamente, eles eram amplamente cobertos pelos jornais, e as histórias contadas pelo povo sobre os assaltantes eram tão aumentadas que as figuras infames dos perpetradores passaram a se tornar célebres e cultuadas. Quase todo mundo conhece ou já ouviu falar de John Dillinger, Baby Face Nelson, Bonnie Parker, Clyde Barrow e outros.

A Qualquer Custo - Filme de David Mackenzie

A Qualquer Custo

O Cinema, por sua vez, em sua incessante busca por histórias reais para contar, aproveitou a fama criada ao redor desses nomes e deu vida a uma série de clássicos que originaram e tornaram famoso o subgênero dos filmes de gângster. Obras como Inimigo Público, Bonnie & Clyde – Uma Rajada de Balas (este, por sinal, importante para o que chamou-se de Nova Hollywood, que também rendeu um episódio do videocaste Renegados Até a Última Rajada foram e continuam sendo veneradas por cinéfilos e críticos ao redor do mundo. A Qualquer Custo (Hell Or High Water), o novo longa metragem de David Mackenzie, usa dessa tradição dos roubos a bancos para tentar ser uma obra digna de figurar ao lado dos títulos mencionados. No entanto, não consegue atingir todo o seu potencial, ficando muito aquém do que pretendia ser.

O filme conta a história dos irmãos Tanner (Ben Foster) e Toby Howard (Chris Pine). Enquanto o primeiro saiu recentemente da prisão, o segundo luta para poder readquirir a casa da família – que está sob posse de um banco – e oferecer aos filhos e à ex-esposa uma boa condição financeira. Para reunir a quantia necessária da recompra, os dois irmãos decidem roubar três instituições bancárias. No entanto, após o primeiro assalto não sair como o planejado, eles começam a ser perseguidos pelo xerife Marcus Hamilton (Jeff Bridges) e o seu parceiro, Alberto Parker (Gil Birmingham), que, obstinados, farão de tudo para prender a dupla de criminosos.

A Qualquer Custo é um filme que falha na sua tentativa de ser tematicamente relevante. E é justamente esse fracasso o seu maior problema. Se a intenção dos realizadores tivesse sido fazer apenas um thriller, a trama interessante (embora pouco original) e o desenvolvimento por vezes raso dos personagens seriam suficientes para transformar a obra num projeto bem sucedido. Entretanto, ao tentar apresentar seres complexos, retratar a possível decadência do Texas e fazer um comentário sobre como os bancos atualmente são o verdadeiro inimigo do povo americano, o filme não consegue desenvolver quase nenhuma das suas pretensões. O que se tem é uma abordagem superficial e genérica.

Enxergando os seus personagens como seres tridimensionais, o roteirista Taylor Sheridan (autor também de Sicario – Terra de Ninguém) não alcança a profundidade psicológica que claramente imagina ter alcançado em A Qualquer Custo. É facilmente perceptível que ele ficou satisfeito em dedicar a cada um dos irmãos somente uma cena onde o espectador tem um vislumbre de alguma outra característica marcante dos personagens, além daquelas que são reforçadas ao longo de todo o filme.

A Qualquer Custo - Filme de David Mackenzie

As cenas em questão são aquelas que mostram Tanner chorando a morte da mãe e Toby espancando dois homens. Tanner é um homem violento, capaz de realizar grandes atrocidades. Porém, logo no início do filme, o filme o exibe indo às lágrimas devido ao passamento da mãe. Esse instante foi construído com o claro intuito de mostrar que por detrás dos gestos brutos e mortais há um homem dotado de sensibilidade e com um forte senso de família. No entanto, esse outro lado do personagem é completamente abandonado no desenrolar da história, e tudo o que vemos no restante do filme é o sujeito violento e psicopata que sente prazer com os crimes que comete.

A mesma coisa acontece com Toby. Com um comportamento oposto ao do irmão, ele é um homem calmo, ponderado e racional. Realizando os roubos com o único propósito de reunir a quantia de dinheiro que necessita, ele não deseja ferir ninguém durante a jornada. Todavia, há uma cena em que o vemos bater violentamente em dois sujeitos. O objetivo dela é mostrar como Toby também é capaz de atos de extrema crueldade. Entretanto, como aconteceu com Tanner, isso não é retomado em nenhum outro momento da história. Como não há recorrência dessas diferentes características de personalidade, esses dois instantes soam arbitrários e descartáveis. Além disso, ao invés de usar as interações dos irmãos como uma forma de reforçar a ideia de que, embora aparentemente diferentes, no fundo, eles são iguais e se completam, Sheridan desperdiça a oportunidade com diálogos frívolos e que não dizem nada sobre eles.

O único personagem bem construído é o xerife Hamilton. Inteligente e sempre dois passos à frente dos criminosos, ele é um homem solitário que usa o humor como um mecanismo para esconder a fragilidade emocional. No entanto, embora faça piadas sobre o fato de o parceiro ser mestiço (apesar de funcionar comicamente, esse recurso é usado à exaustão), ele não é racista ou xenófobo. Para deixar isso bem claro, há uma cena em que ele trata com respeito e carinho uma garota mexicana vítima de um dos assaltos. Porém, ao contrário das cenas dos irmãos, ela não é arbitrária, uma vez que essa tensão envolvendo os sentimentos do xerife acerca dos mexicanos é abordada novamente no final num momento catártico envolvendo o seu parceiro. Assim sendo, o arco dramático do personagem realiza um giro admirável.

Texas decadente e os bancos como inimigos?

Já a tentativa de descrever o estado atual do Texas – que, para Sheridan, é decadente, racista e perdido no tempo – é tão ineficaz e mal trabalhada quanto a de transformar os dois irmãos em pessoas complexas. Se a fotografia pouco saturada de Giles Nuttgens ressalta por todo o filme a pobreza daquele ambiente com competência (lembrando às vezes a época de Depressão), há um momento sutil e outro totalmente expositivo para ilustrar a decadência do território dos antigos cowboys.

O  momento sutil é a já mencionada cena que mostra Toby batendo em dois homens. Estes ouvem no carro uma música de Heavy Metal. Antigo cenário da música country, o Texas se tornou nos últimos anos a cidade natal de inúmeras bandas de rock pesado. Inteligentemente abordada pelo filme nessa cena, essa transformação é ressaltada pela presença óbvia, mas precisa, de clássicos da música country na trilha sonora. Sutil e quase passando despercebido, o relato simples dessa transformação (que o filme talvez enxergue como decadência) é um dos raros instantes de brilho genuíno.

A Qualquer Custo - Filme de David Mackenzie

Já o outro momento, por sua vez, é o oposto do mencionado acima. Envolvendo um longo discurso do personagem Alberto Parker sobre como o Texas deixou de ser um lugar bom para se tornar um local violento e inabitável, o momento é altamente expositivo. Talvez percebendo que o roteiro não estava conseguindo afirmar com veemência essa visão, Sheridan sentiu a necessidade de escrever um monólogo que afirmasse tudo isso categoricamente. No entanto, a cena não funciona.

Também pesando a mão em momentos destinados a mostrar a vilania dos bancos, Sheridan precisou colocar na boca do xerife uma fala que indicasse isso. Se tivesse deixado apenas insinuado através da situação de Toby – que precisa de dinheiro para readquirir a casa que o banco tomou – , já seria suficiente. Mas, infelizmente, o roteirista quis fazer com que Hamilton expressasse a situação verbalmente. Ademais, logo depois do personagem dizer algo como “Este são os nossos inimigos”, David Mackenzie e Jake Roberts, o montador, cortam para um plano mostrando a fachada do Texas Midland Bank. Quanta sutileza, não?!

Com performances corretas do elenco (Chris Pine é quem se sai melhor) e óbvias referências ao gênero Western (o filme também tenta ser um faroeste moderno), A Qualquer Custo sofre por não atingir as suas pretensões. Quis ser um drama com coisas relevantes a dizer, porém, não teve estofo para atingir esse objetivo. No final, se tornou apenas um thriller razoável.

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