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A Chegada – Virtuosismo narrativo e técnico!

Denis Villeneuve a a proposta do filme A Chegada

Falar de ficção científica no cinema é, quase sempre, um motivo de lamentação para os fãs deste segmento na literatura, pois a distância conceitual que existe entre os dois lados da moeda é enorme. Não que a sétima arte não traga boas ideias, vez por outra, mas os livros podem dar-se ao luxo de aguçar a mente dos leitores com questões profundas, enquanto Hollywood prefere entregar ao público jornadas pessoais bem menos elaboradas. Exceções existem – claro – e é exatamente por isso que um projeto como o filme A Chegada (Arrival), comandado pelo prodígio canadense Denis Villeneuve (O Homem Duplicado, Sicario e o curta Next Floor), cria uma bela expectativa, já a partir da sua sinopse.

(Veja também o Formiga na Cabine sobre o filme)

O filme A Chegada, de Denis Villeneuve, é um primor narrativo e técnico

A Chegada

De uma hora para outra, naves gigantescas prostram-se em cidades ao redor do globo, sem que nenhuma intenção, ou qualquer tipo de atitude, seja revelada por seus ocupantes. A Dra. Louise Banks (Amy Adams), especialista destacada em linguística, é recrutada pelo exército norte-americano para estabelecer algum tipo de comunicação com os misteriosos alienígenas. Escoltada por soldados e acompanhada pelo físico Ian Donnelly (Jeremy Renner), ela passa a visitar a nave diariamente, entre intervalos estabelecidos pelos visitantes, tentando decifrar a linguagem deles em interações diretas.

Não é preciso muito tempo para perceber que se trata de algo anos-luz (com o perdão do trocadilho) distante de um Independence Day, por exemplo. O tom dramático e intimista já se mostra no início, reforçado pelo interior do veículo alienígena, tal qual seu exterior, revelando um visual absolutamente minimalista. A proposta é o suspense gerado pela dúvida mundial que Louise tenta solucionar desesperadamente, prometendo complexidade em um enfoque mais, digamos, literário deste tipo de história. Mesmo assim, nossa protagonista tem detalhes pessoais importantes dentro desta premissa, à primeira vista lembrando Contato, que Robert Zemeckis dirigiu em 1997. Com o palco montado e todos em seus lugares, mesmo quem evitou a expectativa, antes de entrar no cinema, dificilmente consegue contê-la conforme o filme avança. É o toque de Denis Villeneuve.

O filme A Chegada, de Denis Villeneuve, é um primor narrativo e técnico

Já em sua abertura, A Chegada impressiona pela calma e pelo cuidado na construção da figura de Louise. Sem diálogos expositivos, os enquadramentos e os movimentos de câmera nos entregam o suficiente sobre aquela pessoa, dentro de um arcabouço dramático muito exigente para qualquer atriz. Amy Adams entrega uma bela atuação, reforçando o conjunto sólido desta personagem. Seguindo neste mesmo caminho, o incidente que dá o título ao filme também foge de qualquer exagero eventual. Recebemos o impacto do evento através dela, alguém distante do olho do furacão naquele momento, algo que traz mais verossimilhança para a narrativa.

Vale comentar que o personagem de Jeremy Renner também é bem construído, evitando qualquer estereótipo de homem de ciência que o cinema nos entrega de vez em quando, graças à sutileza da direção. O sempre competente Forest Whitaker convence no papel do militar encarregado da operação, o papel com o maior risco de escorregar para a caricatura, ainda que conte com um bom ator. Mesmo que de menor importância, são mais dois pilares sólidos dentro do conjunto.

A fotografia de Bradford Young, de O Ano Mais Violento, acrescenta – e muito – na construção deste clima e no desenvolvimento da trama. Buscando um tom de realidade algo triste com cores esmaecidas, a iluminação também exerce seu peso sobre nós e os personagens. Seja nos recintos apertados, com sombras marcadas, ou nas tomadas externas, onde a impressão de estar sempre nublado traz uma perspectiva pessimista, aumentando a ansiedade por respostas dos dois lados da tela. Isso funciona brilhantemente, aliado a outro aspecto técnico que não poderia ser esquecido e é abordado a seguir.

O filme A Chegada, de Denis Villeneuve, é um primor narrativo e técnico

O desenho de produção do também canadense Patrice Vermette, parceiro de Villeneuve desde Os Suspeitos, é outro acerto. A já comentada característica minimalista é completamente adequada para o que o filme propõe e mostra coragem ao desprezar qualquer muleta cosmética. Com apenas um corredor escuro, onde um vidro retangular separa os humanos dos visitantes, parcialmente envoltos em uma fumaça branca, mas revelando características físicas monstruosas, as cenas são nada menos que impactantes. O momento tenso em que Louise (e o público) conhece o interior da nave é perfeito, com a trilha de acordes graves e arrepiantes de Jóhann Jóhannsson entrando como a cereja deste bolo.

Sempre há um problema…

Depois de elogiar tanto o cineasta e sua equipe, parece obrigatório conferir uma nota máxima ao filme, mas você já percebeu lá em cima que não foi o caso. O leitor mais atento deve ter notado que o roteirista ficou de fora dos comentários até aqui. A razão para isso é bem simples, pois embora A Chegada tenha um ponto de partida chamativo, ainda que não original, é justamente na hora de finalizar essa história que o texto fica devendo. Perceba que eu usei a palavra “texto”, não “filme”, só para deixar claro que as ressalvas encontradas dizem respeito exclusivamente ao roteiro. Agora podemos comentar o trabalho do profissional que faltava.

Escrito por Eric Heisserer, a partir do conto de Ted Chiang, Story of Your Life (que quase foi o título do filme), o roteiro se sustenta nas dúvidas quanto às intenções dos alienígenas, adicionando mais um senso de urgência pela participação dos militares dos EUA e os outros países, que, diante de um evento como esse, podem perder a paciência a qualquer momento. Também temos o drama pessoal de Louise pairando no ar e isso basta para nos levar.

Tem virada? Tem e não é gratuita, só restando costurar as pontas em cima do próprio conceito apresentado. Infelizmente, quando isso acontece, parece que Heisserer não fazia a menor ideia de como fazê-lo, entregando uma solução que frustra quem esperava um desfecho à altura. O acontecimento é tão conveniente que denota preguiça, além de desdobramentos que não mantém a força do resto da projeção.

O filme A Chegada, de Denis Villeneuve, é um primor narrativo e técnico

Esse deslize surpreende por estar em um filme de Villeneuve, mas não pelo currículo de Heisserer, que tem aqui a maior produção de sua carreira. Além do descartável Quando as Luzes Se Apagam, ele também assina os insuportáveis remakes de A Hora do Pesadelo e O Enigma de Outro Mundo, além de Premonição 5. O detalhe é que não estamos falando de uma carreira longa, pois o sujeito tem apenas mais dois créditos que nem vem ao caso. É realmente uma benção, para ele e para nós, que seu roteiro tenha sido filmado por um cineasta tão competente.

Felizmente, A Chegada mantém uma classificação alta por sua excelência técnica rara. Os fãs de uma ficção científica mais hardcore, que talvez tenham apostado em algo que trouxesse ecos de livros como Encontro com Rama e O Fim da Infância (ambos de Arthur C. Clarke), podem não se satisfazer com a resolução fácil e discutível. Triste por um lado, mas qualquer cinéfilo tem sua compensação nestas quase duas horas. De qualquer forma, nesta altura do campeonato, um filme deste porte que não é continuação, adaptação de quadrinhos ou remake já é algo a se louvar. O resto é lucro.

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