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A Mulher Que Se Foi – Um filme pretensioso que não diz nada!

A Mulher Que Se Foi não é tão profundo quanto imagina ser

De tempos em tempos surgem cineastas com algumas características particulares, espalhando seu charme ilusório sobre os críticos e cinéfilos, mas acabam não fazendo jus às celebrações feitas em cima dos seus nomes. Não que eles não mereçam nenhuma atenção, mas o crédito que lhes é dado é exagerado. Em um breve exercício de memória, os nomes de diretores como os de Christophe Honoré, Gaspar Noé (tema de um FormigaCast), Apichatpong Weerasethakul e Lav Diaz vem rapidamente à mente. No caso deste último, basta assistir ao seu último filme, A Mulher Que Se Foi (Ang Babaeng Humayo), vencedor do prêmio máximo no último Festival de Veneza, para perceber o quão superestimado ele é.

A Mulher Que Se Foi, de Lav Diaz

A Mulher Que Se Foi

Inspirado num conto de Leon Tolstói chamado “God Sees The Truth, But Waits” e escrito pelo próprio diretor, o roteiro nos apresenta à personagem Horacia (Charo-Santos-Concio), uma professora de meia idade erroneamente acusada de homicídio. Depois de passar trinta anos na cadeia, ela é solta após os policiais descobrirem que a verdadeira culpada pelo assassinato era outra mulher. Ao chegar em casa, lhe é revelado que o marido já faleceu, a filha mais nova está casada e o filho mais velho desapareceu numa onda de sequestros que anda ocorrendo nas Filipinas. Para descobrir o seu paradeiro e se vingar do homem que a colocou na prisão, ela se infiltra na vida noturna do país.

Quando o nome de Lav Diaz é mencionado, a atenção sempre é voltada para a metragem dos seus filmes. Algumas das obras chegam a ter até oito horas de duração. A Mulher Que Se Foi, quando comparada com outras produções de sua autoria, é uma das menores. Mas, ainda assim, tem 226 minutos. Porém, o problema não está no fato do filme ser longo, mas na forma com que a longa duração é empregada. Uma coisa é contar uma história que se estende naturalmente por várias horas, outra completamente diferente é alongá-las desnecessariamente somente por um fetiche ou uma questão estilística.

Se o cineasta, no seu filme atual, tivesse eliminado uma hora e meia, a história teria um impacto maior (no formato em que está, ele é praticamente inexistente) e a narrativa conseguiria ser estabelecida com muito mais sucesso. Já na primeira metade do filme, é óbvio para o espectador que a protagonista não só está tentando construir o passado que lhe foi injustamente roubado, como é uma espécie de santa, uma mistura inusitada de São Francisco de Assis com o espírito feminino e maternal. O lenço que cobre os seus cabelos, a presença massiva de símbolos católicos e a maneira com que a personagem trata e convive com os moradores de rua não deixam a menor dúvida sobre isso. Essa realidade é perfeitamente estabelecida antes mesmo do filme ainda ter mais duas horas de duração.

A Mulher Que Se Foi, de Lav Diaz

Assim, não há necessidade de reforçar essas ideias por muito mais tempo, pois, apesar de alguns momentos serem importantes por revelarem um pouco mais da história dos personagens coadjuvantes, a montagem final do filme poderia ser muito mais curta. Além disso, o maior interesse de Diaz na história que está contando parece ser a dualidade que existe dentro de uma personagem que é santa e que não pensa duas vezes antes de ajudar o próximo, mas que, ao mesmo tempo, carrega dentro de si um desejo violento de se vingar da pessoa que a colocou na cadeia. No entanto, não há nada de muito fascinante nisso, uma vez que um santo não é uma pessoa perfeita, mas sim alguém que consegue controlar as suas imperfeições. É uma noção equivocada a de que a santidade tem a ver com um comportamento impecável. A leitura de alguns livros cristãos sobre o assunto teriam revelado isso para Lav Diaz e evitado A Mulher Que Se Foi de existir.

O estilo preguiçoso de Lav Diaz

Porém, independentemente disso, a história poderia ser interessante. Tirando da frente o problema que acompanha a intenção de retratar a protagonista como uma santa, o que se teria é uma personagem complexa cuja dualidade interior cativaria o espectador. No entanto, no fundo, o grande problema do filme continuaria sendo o estilo do seu cineasta. Se já mencionei que Lav Diaz poderia ter cortado a história pela metade, é preciso fazer algumas observações sobre as as opções estéticas feitas por ele como diretor, principalmente, as que se referem à forma como ele escolhe enquadrar a ação.

Trabalhando também como diretor de fotografia, ele tem um estilo consagrado, mas que não convence. Aliás, dá para considerá-lo preguiçoso. Como ele não decupa as cenas, a sua técnica de composição consiste somente em montar planos gerais que captam todos as pessoas e objetos que participam da encenação. Isso gera uma monotonia narrativa que acaba por aniquilar qualquer intensidade dramática que a história poderia vir a ter. Até a ótima ideia de esconder os personagens nas sombras e revelá-los só depois de um tempo não é capaz de salvaguardar as outras escolhas estilísticas.

A Mulher Que Se Foi, de Lav Diaz

Como cinematógrafo, o seu trabalho se reduz a trabalhar com iluminação natural e estabelecer quase sempre apenas um foco de luz artificial (como postes de luz, faróis de carro, lâmpadas incandescentes e etc.) nos momentos que se passam à noite. O preto e branco é contrastado, mas não dá para dizer que a fotografia do filme se sobressai. A maioria das cenas noturnas são pobremente iluminadas e, embora a escuridão geral seja importante para representar exteriormente a vida interior dos personagens, do ponto de vista narrativo, só contribui para a monotonia insuportável do andamento estabelecido pelas suas escolhas como diretor. Nem mesmo a nitidez da câmera digital consegue trazer muito mais visibilidade para as cenas.

Por fim, como montador (sim, ele acumula todas essas funções), apesar de ter a simples tarefa de pular de plano geral para plano geral, ele mostra não ter precisão dramática, já que estende a maioria das cenas demasiadamente (enxergando poesia onde não existe), e muito menos precisão narrativa, pois se não teve a capacidade de eliminar vários momentos durante a escrita do roteiro, poderia ter feito isso ao longo do processo de montagem. Além do mais, ao cometer esses erros, compromete invariavelmente o ritmo da história, se é que dá para dizer que existe algum ritmo no filme.

Com tantos equívocos, não há como deixar de questionar o sucesso desfrutado por Diaz, tanto nos festivais mais famosos quanto nos mais alternativos. Se eu tivesse que fazer uma declaração, diria que a obra do diretor é laureada sem merecimento algum e que é uma questão de anos até que o seu nome seja devidamente esquecido. É claro que os seus filmes, assim como o recente Nas Estradas do Nepal, oferecem oportunidade de entrar em contato com países e culturas tão distintas da nossa. Porém, se pensarmos em questões estritamente cinematográficas – ou narrativas -, não há quase nada a ser destacado positivamente. Caso estivesse no júri do Festival de Veneza do ano passado, premiaria o maravilhoso filme russo Paraíso e relegaria A Mulher Que Se Foi ao total esquecimento, que é uma posição muito mais compatível com a qualidade do longa.

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