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ACESSÓRIOS DE SUPER-HERÓI: Verdade, Justiça , toda essa coisa (FINAL)

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Continuando a tradução ao artigo de Lance Parkin, no Seqart, segue a segunda parte da análise da inadequação do Superman para o leitor moderno. O conceito se desenvolve abrangendo até a trajetória de um certo homem-morcego.

Primeira parte AQUI!


A série de TV Smallville criou acidentalmente um novo modelo para o Superman. O seriado foi baseado em cima de um jovem Clark Kent descobrindo seu destino… mas foi mais longe do que qualquer um esperava – dez temporadas em um total de 218 episódios – durante o qual ele se mudou para Metropolis (“Smallville”, no final, era referência ao apelido que Lois Lane colocou no personagem principal, e não o local onde a maioria da história se situava), e o ator interpretando Clark, Tom Welling, estava com cerca de 34 anos e aparentando isso (Clark, na série, foi criado para ser por volta de dez anos mais jovem). Isso significa que vimos uma década de um Clark Kent relutante e despreparado para ser Superman. O filme O Homem de Aço utiliza basicamente a mesma história, com Clark se tornando Superman com 33 anos.

Em vários sentidos, a linha atual do Superman é definida pela sua inação. Um dos mais surpreendentes exemplos vem de Superman: Terra Um, onde é Jimmy Olsen quem se torna um exemplo moral e mostra coragem diante de um assassino alienígena. Clark fica de lado, impotente, relutante em revelar-se.

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Retornamos ao ponto de Alan Moore. O problema generalizado com os super-heróis é que personagens como Superman e Capitão América não foram criados para o público moderno, pois são remanescentes de um tempo diferente, e simplesmente não se encaixam no propósito de serem heróis modernos. Eles são de uma época em que isso…

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…era considerado um inequívoco e perfeito exemplo de bem contra o mal. O mundo girou e temos que encarar a possibilidade de que o Superman não é a ferramenta perfeita para a discussão do que está errado no mundo e como podemos conserta-lo.

Alan Moore simplesmente declara um fato quando diz que os super-heróis populares de hoje não foram criados para as audiências de hoje. Praticamente, todo elenco principal de heróis da DC foi criado 75 anos atrás e o da Marvel há 50. Outros personagens da DC que pensamos como “mais novos”, como Lobo, Asa Noturna e John Constantine, estão chegando aos 30. Mesmo Image e Dark Horse passaram dos 20 anos de idade a essa altura. Você pode enxergar o copo meio-cheio ou meio-vazio neste ponto, pois de qualquer forma é impressionante que personagens como Batman tenham durado. Isso não é algo exclusivo dos quadrinhos: Sherlock Holmes, James Bond e Doutor Who foram todos criados para gerações anteriores. Também existe um viés de confirmação aqui; esses são os personagens que sobreviveram, enquanto muitos de seus contemporâneos, que já foram nomes conhecidos, desapareceram.

A resposta óbvia para Moore é dizer que o Superman e o Batman que os adultos curtem hoje evoluíram daqueles que as crianças liam na década de 1930. Personagens sobrevivem por ter um conceito central forte, mas que seja flexível o bastante para que ênfases diferentes possam ser colocadas em diferentes aspectos do conceito, de acordo com os gostos atuais. Em Batman Unmasked, Will Brooker vê a fórmula essencial do Batman como:

“Batman é Bruce Wayne, um milionário que veste um bat-uniforme e combate o crime. Ele não tem poderes especiais mas é forte e está em perfeita forma, além de muito inteligente. Ele vive em Gotham City. Luta contra vilões como o Coringa. Combate o crime porque seus pais foram mortos quando ele era criança. É frequentemente ajudado por seu parceiro, Robin”

Como Brooker observa, através das décadas há exemplos de histórias e rumos de histórias onde um ou mais desses fatores não está presente ou está minimizado ao ponto de não ser percebido. Existem outras características importantes, embora não essenciais, ao personagem – Brooker sugere o batmóvel e o cinto de utilidades. Batman Unmasked foi publicado em 2001, e talvez uma lista do ano de 2014 encontrasse espaço para Alfred – reformulações recentes como os filmes de Christopher Nolan, a série de videogames Arkham, a graphic novel Terra Um e a série animada Beware The Batman tornaram Alfred uma figura mais central e um mentor ativo, ao invés de meramente alguém que repreende o Mestre Bruce por deixar sua sopa esfriar.

Ajustando o equilíbrio exato dos elementos, você pode fazer o mesmo personagem ter apelo a um novo público, mesmo uma nova geração. É quase certo que não há melhor exemplo que o Batman, que pode abranger tudo, desde humor camp envolvendo uma competição de surfe até procedimentos policiais em torno de um agressor sexual. Poucos anos atrás, os filmes de Christopher Nolan e o desenho Os Bravos e Os Destemidos eram o “Batman atual”. Em um mundo onde velhos quadrinhos são encadernados em graphic novels, e filmes e seriados velhos são lançados em DVD ou exibidos no Netflix, a noção de do que é “atual” se torna um tanto nebulosa de qualquer forma. Com as questões sobre direitos esclarecidas, a DC está começando agora a vender a série de Adam West, enquanto prepara filmes sombrios de Superman e Batman juntos. A série de videogames Arkham é imensamente popular, situada em uma Gotham City escura e decadente, e uma das opções é uma “skin” do Batman ironicamente arrepiante, no estilo Adam West:

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Nós também levamos em conta que o público para algo como Doutor Who, Sherlock Holmes e Batman é vasto e heterogêneo. O que algumas pessoas amarão, outras vão desprezar e muitos mais talvez nem cheguem a ver (comparando números de vendas, é estatisticamente quase impossível que a maioria das pessoas que comprou o game Arkham City também comprarem uma HQ do Batman no mesmo ano). Níveis de lealdade, engajamento e conhecimento do público variam muito. E o público é afetado diretamente ou não pelo que vê em notícias, economia, clima social e assim por diante. Atitudes mudam ao longo do tempo. Em última análise, quem faz o Batman tem que permanecer sintonizado a um complexo, mudando de acordo com o “clima do público”, e certificando-se que, enquanto possível, suas histórias estejam direcionadas para os interesses e gostos da atualidade. Inevitavelmente haverá elementos de tentativa e erro, alvo perdido e acidente feliz. Adaptar as coisas para as telas significa que uma parte do elenco, boa ou ruim, pode mudar toda a direção da série.

Logo, mudanças, mesmo dramáticas, são possíveis, mas é importante entender o corolário: como todo criador de histórias de super-heróis está trabalhando com um número limitado de ingredientes básicos, que coloca limitações nas histórias que podem ser contadas. Enquanto as questões levantadas em “O Homem Que Comprou a América”  (HQ citada anteriormente AQUI!) são mais realistas, discutidas e dramatizadas por algum tempo, e enquanto a história se bate com aquilo que um personagem chamado “Capitão América” representa no século XXI e mostra que a extrema direita existe nos EUA de hoje, mas nem sempre aparece com um uniforme de SS com uma caveira vermelha como rosto, o gênero ainda estabelece que a trama será resolvida exatamente do mesmo jeito que seria nos gibis das crianças da década de 1940. Aqui está a resolução dela:

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Com as mudanças das series, elipses conceituais acabam sendo criadas. Os quadrinhos sombrios e subversivos do meio dos anos 1980, como Watchmen foram, em um nível pelo menos, feitos como um comentário irônico em cima da noção de super-heróis serem “realistas”. Histórias como O Cavaleiro das Trevas, A Piada Mortal e Asilo Arkham são deliberadamente situadas fora da continuidade para distancia-las dos bat-títulos “mainstream”, e elaboradas para apontar que o Batman era extremamente violento e possivelmente tão insano quanto qualquer um de seus oponentes. Esses quadrinhos provaram-se mais populares que o Batman “regular”. Os filmes de Tim Burton seguiram essa linha (O roteiro original de Sam Hamm estava muito mais próximo da abordagem da dupla Englehart / Rogers nos quadrinhos da década de 1970). As versões periféricas de Batman se tornaram a regra, com suas inovações rapidamente aparecendo nos títulos principais – e por definição, uma vez que elas se tornaram a regra, e não a exceção, o ponto subversivo original foi perdido. Por 25 anos, até agora, o Batman padrão tem siso extremamente violento, rosnador e possivelmente insano.

Eu suspeito que um dos ingredientes “essenciais” do Batman se tornou um problema em particular. Isso graças à convergência de eventos da vida real, um público cada vez mais sofisticado com suas demandas por histórias “mais realistas” e o efeito acumulativo de algumas escolhas narrativas.

É a primeira característica de definição que Brooker identifica: Bruce Wayne é rico.


Ficou o gancho para o assunto da riqueza do Batman. É o último artigo da série e será oportunamente traduzido e publicado!

O primeiro artigo, Vigilantes Mascarados, está AQUI e AQUI!

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